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Simone Tebet: senadora transformou CPI da Covid e abre caminho para as mulheres

Destaque na CPI da Covid pela fala firme, a senadora Simone Tebet acredita na transformação através do diálogo – especialmente com quem pensa diferente dela

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
20 ago 2021, 11h00
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    oram mais de 1 400 páginas de letras miúdas e cláusulas contratuais lidas durante o recesso da CPI da Covid. O calhamaço que acompanhou a senadora Simone Tebet por dias – juntamente com uma lupa – se tratava do contrato da Covaxin, documento que selou a compra de vacinas pelo governo federal e que, segundo a advogada, contém provas de crimes como lavagem de dinheiro público.

    A determinação para dar conta das longas sessões de leitura é estimulada por dois fatores: o dever que Simone diz ter com o povo brasileiro e seu método de trabalho, que é desenvolvido sobre embasamento e fatos – algo que, infelizmente, parece cada vez mais raro na política nacional. Quando acaba o trabalho, ela se recolhe no seu quarto, vê filmes e lê poesias de Mário Quintana e Fernando Pessoa.

    Nascida em Três Lagoas (MS), Simone ganhou destaque nas últimas semanas por sua postura séria e firme em meio a muitas cenas estridentes protagonizadas por seus colegas na CPI televisionada. É aí que ela revela uma de suas facetas mais valiosas no cenário atual: a capacidade de dialogar mesmo com quem pensa diferente e a crença na mudança que isso pode gerar.

    Tanto é que Simone é líder da bancada feminina, que reúne mulheres de diferentes partidos, valores e convicções. Também foi essa característica que permitiu que ela fosse presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e concorresse à presidência do Senado mesmo sabendo que não tinha chances de ganhar.

    Simone, que ganhou do pai o nome por causa de Simone de Beauvoir, está cansada de ver a cara de surpresa de homens com sua capacidade e determinação. Mas ela não se deixa abalar pela violência política – nem pelos gritos desrespeitosos do senador Flávio Bolsonaro na CPI –, porque tem um objetivo muito maior.

    Quer honrar a memória do pai, o político Ramez Tebet, morto em 2006, e abrir mais espaço para as mulheres em lugares de decisão. Depois de um longo dia de trabalho e ainda completamente energizada, ela conversou sobre sua trajetória, como se protege mentalmente de tamanho stress e até dos planos para 2022.

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    Veja também: Demissão na pandemia e brigas de famílias causam aumento de mulheres e crianças em situação de rua

    Fora o revoltante cenário político que a CPI descortina e a tensão das sessões, você ainda encara interrupções e desrespeito. Como cuida da saúde mental e se mantém tão concentrada no trabalho?

    Tenho muitos anos de carreira e diversas experiências. Já entro lá sabendo de onde vem o chumbo grosso e protegida. O que me incomoda nem é isso, mas o espanto de algumas pessoas por eu ser mulher e ter um bom desempenho, como se não tivesse capacidade de estar ali. Ver homens, especialmente, descobrindo que sei o que estou fazendo é praticamente cômico.

    Você tem o histórico de ser a primeira mulher em muitas posições. Foi a primeira prefeita da sua cidade e a primeira vice-governadora do seu estado, a primeira a assumir algumas comissões. Apesar de ser um feito, incomodou você saber que aquele era um terreno masculino ainda?

    Muitas vezes, o sentimento de orgulho pela conquista foi suplantado pelo inconformismo e a indignação de ser a primeira em coisas tão elementares. Mas também entendo a importância disso. Quando me candidatei à presidência do Senado, sabia que não ganharia, a máquina rodou contra mim, eu conhecia exatamente os votos que receberia.

    Ainda assim, fui ao plenário, fiz um discurso mais focado na prosperidade do que em compromissos de gestão. Eu desci da tribuna com a sensação de dever cumprido. Não tinha ali um pingo de tristeza pela derrota que sofri, a única na minha vida política.

    Meu pai se sentou naquela mesma cadeira e eu estava honrando a memória dele. Também sei que abri espaço: não serei eu, mas uma mulher ainda vai se sentar naquele lugar. Ser a primeira algumas vezes me trouxe aprendizados. Quando ganhei a prefeitura, era relativamente jovem, tinha 33 anos, e ouvia dos homens: “Quem vai gerir, você ou seu pai?”. Eles me chamavam de filhinha do papai, perguntavam se eu ia pedir uma boneca. Misóginos.

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    Já teve vezes de eu não ter vontade de sair do quarto, dá vontade de largar tudo. Mas minhas filhas eram pequenas e eu via outras mães com crianças daquela idade que chegavam até mim pedindo uma casa popular porque não conseguiam pagar o aluguel. Eu tinha que fazer algo por elas. E persisti.

    Meu pai faleceu quando eu tinha um ano de mandato. Até queria ter contado mais com a ajuda dele, mas fiz tudo sozinha com a equipe maravilhosa que tinha. Mostrei que eu não precisava de um pai ou marido, mas de homens e mulheres que entendiam de gestão pública para me ajudar.

    Essa violência política e psicológica me comprovou que o que se espera da mulher é que ela seja abnegada, que fale menos e abra mão do poder. Fiz a escolha de ser vice-governadora. Sabia que não tinha ainda densidade eleitoral para ser a cabeça da chapa. E aprendi muito, fiz a minha trajetória. Mas ainda assim, esperam que fiquemos na sombra, que a mulher esteja sempre preparada para ser vice. Eu escuto muito isso hoje em dia, que a chapa vencedora à presidência precisa ter uma mulher vice.

    Veja também: Por que a reforma eleitoral ameaça o crescimento das mulheres na política

    Seu nome tem sido muito falado para vice-candidata em 2022 e você já declarou que não é seu objetivo. Por que?

    Eu não descarto nada na minha vida e não acho que há demérito em ser vice. Só acredito que a mulher precisa ser avaliada e reconhecida pelo seu potencial, não encaixada num posto. Eu conheço muitas mulheres com condições para ser prefeita, governadora e que têm os tapetes puxados. Você olha a pesquisa e não tem rejeição, elas prestam serviço na comunidade, já estão na política, apresentam boas prévias. Mas os partidos dão um jeito de afastá-las.

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    Hoje, tenho duas pretensões. A primeira é ajudar o país a sair dessa pandemia fazendo meu trabalho como senadora. E, na CPI, para a qual eu não fui convidada mas me convidei, buscar os verdadeiros responsáveis pelo que o país está vivendo. As mais de 560 mil vidas perdidas não são resultado apenas da pandemia, mas de uma epidemia política causada pelo chefe maior do país e seu entorno.

    Eles negaram a ciência e negligenciaram os cuidados, estimulando a população a não fazer o isolamento e não tomar as precauções de higiene, como o uso de máscara, levando à lotação de hospitais que, por sua vez, ficaram sem sedativo para intubação e até oxigênio. Ainda fizeram piada com a dor alheia e demonstraram zero empatia.

    Reconheço hoje que as mulheres são as principais insatisfeitas com esse governo, graças à nossa sensibilidade. Todo o mérito para elas, que reconhecem estar diante de um Presidente que não merece conduzir o destino do País, que inventa problemas para não lidar com os reais. Talvez seja essa importância do posicionamento feminino que leve alguns a cogitar uma mulher de vice.

    Simone Tebet
    (Diego Bresani/CLAUDIA)

    Veja também: Afeganistão – da esperança às trevas

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    A bancada feminina, da qual você é presidente agora, ganhou destaque, especialmente pela atuação apartidária. Como isso dá certo?

    Passa muito pelo papel do líder. A bancada é plural, falo que ela é a cara da democracia brasileira. A nossa convergência não é ideológica, mas por pautas a favor da mulher, contra a violência, pela igualdade de gênero na vida pública e pela família, crianças e idosos.

    Como líder, preciso entender que estou diante dessa bancada heterogênea e que meu papel é ouvir e aglutinar apenas. Óbvio que não conseguimos unidade em tudo. Tem temas muito espinhosos e aí nem iniciamos a pauta. Quando é preciso dar uma resposta, ouço a maioria. Se não rola, libero a bancada e cada uma segue seu partido. Mas não há disputas por protagonismo.

    Não que não seja trabalhoso, juntamos ali pessoas muito conservadoras, com motivações políticas, e outras mais progressistas. Ficamos o dia todo conversando, como exige qualquer grupo diverso. Só que tudo isso em alto nível, de forma colaborativa. Por isso, o que aparece é harmonia.

    Estou satisfeita com nosso posicionamento na CPI. Lutamos pelo direito de falar. Quando vimos que os líderes não tinham indicado nenhuma mulher, pedimos para ser ouvidas. Conhecemos o regimento, não pedimos para votar requerimento nem cadeira, apenas queríamos exercer nossa prerrogativa como senadoras de falar.

    Para além disso, hoje, avalio que estamos atuando mais para impedir retrocessos. O executivo não respeita a pauta feminina, então tudo fica mais difícil. As questões demoram mais tempo para serem votadas e são barradas chegando lá.

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    Uma pauta que era muito importante para nós da bancada era a questão do armamento. As armas representam uma ameaça direta e constante para as mulheres. Quantas não se tornam vítimas de feminicídio após ataques por arma de fogo? Atuamos de maneira muito forte para suspender o processo e evitar facilitar o acesso às armas.

    “Muitas vezes, o sentimento de orgulho por uma conquista foi suplantado pelo inconformismo e a indignação de ser a primeira em coisas tão elementares”

    Foi aprovado no Senado o projeto que propõe uma cota de 30% para mulheres nas vagas do legislativo – Câmara dos Deputados, dos vereadores e das assembleias legislativas. Muitos especialistas falam que isso pode, a longo prazo, reduzir a presença feminina e questionam por que não impor 50%. Por que você defende os 30%?

    Basta olhar a história da participação da mulher na vida pública no Brasil. Temos pouco menos de 100 anos de sufrágio aqui, de participação da mulher na política. Nós nunca tínhamos alcançado os níveis dessa última eleição e mesmo assim, no geral, representamos apenas 15% do legislativo. Levamos um século para chegar a isso.

    É claro que as coisas vão mais rapidamente agora, mas eu, conhecendo a história partidária, como as coisas funcionam, não consigo ver as mulheres alcançando mais do que 20% nos próximos 10 anos. Já passei do tempo de achar que sonho e utopia são as mesmas coisas. Para mim, achar que uma cota feminina de 50% vai passar no Congresso Nacional é utopia.

    Você fala das questões femininas com muito embasamento e experiência. De onde vem seu contato com o feminismo?

    Meu pai deu meu nome por causa da Simone de Beauvoir, mas ele gostava mesmo era do Sartre. Feminismo não era um assunto que eu tinha muito domínio, fui aprendendo. Aí, em certo momento, me aproximei da pauta porque era meu dever. Quando virei prefeita e fui vítima da violência política e dos episódios misóginos que falei, entendi que precisava romper esses ciclos.

    Fui entender como poderia ajudar as mulheres a ter independência porque, com isso, elas conseguem sair de situações agressivas. Quando fui vice-governadora, atuei junto ao Secretário de Segurança Pública para abrirmos a primeira Casa da Mulher Brasileira do país, que é um centro completo onde a mulher que sofreu a violência encontra acolhimento jurídico, médico, um espaço para dormir com os filhos, caso precise. Depois de ver de perto essa situação, não tem como se responsabilizar.

    Veja também: Anielle Franco lança HQ e websérie sobre legado de Marielle

    Temos no Brasil uma grande tradição familiar na política, que é muitas vezes contestada. Isso já foi uma questão para você?

    Esse foi, por muito tempo, um assunto muito delicado para mim. Sem perceber, segui os passos do meu pai. Fiz o mesmo curso e até a mesma faculdade que ele. Uma vez, ele foi comigo na faculdade e disse que tinha estudado na mesma sala!

    Depois, substituí meu pai dando aulas, para que ele pudesse cumprir compromissos da vida pública –quando me elegi, tinha tido mais de quatro mil alunos. Eu também era consultora na Assembleia Legislativa. Já era conhecida no Estado, que é pequeno, era uma personalidade pública. Ainda assim, demorou quatro anos para eu aceitar concorrer a Deputada Estadual. Foi o tempo que eu levei para perceber que não ganharia só por ser filha do meu pai, mas porque eu tinha meu eleitor ali.

    Simone Tebet
    (Diego Bresani/CLAUDIA)

    Você se arrepende de alguma de suas decisões políticas?

    Não gosto de falar em arrependimentos, porque sempre tomei a decisão seguindo meu coração e valores. E tinha a questão do contexto, da experiência que eu tinha na época. Mas com certeza já mudei de ideia sobre várias coisas. E que bom! Sinal que evoluí. Imagina ficar sempre igual…

    Esses dias mesmo viralizou um vídeo em que eu defendia o voto auditável. Naquela época, achava que as urnas eram conectadas à internet, não entendia nada da tecnologia. Depois, fui aprender e compreendi que o processo é muito seguro, mudei meu posicionamento.

    “Como líder, preciso entender que estou diante dessa bancada heterogênea e que meu papel é ouvir e aglutinar apenas. Óbvio que não conseguimos unidade em tudo”

    O que pensa do legado que vai deixar?

    A mulher tem dificuldade de ouvir e aceitar elogios, né? A gente não faz as coisas buscando protagonismo ou visibilidade. Demorei muito para entender o impacto positivo do meu trabalho. Rezo sempre que tenho que tomar uma decisão e peço para Deus me ajudar a honrar meu pai e a mulher brasileira.

    Sei que sou um espelho e que meus erros serão usados para diminuir a importância da mulher na política. De alguma forma, por muito tempo, me enxergava como uma figurante, depois uma coadjuvante. Precisei de um carimbo que me mostrava como presidente de uma comissão para entender que eu já vinha fazendo o trabalho de líder há muito tempo, que eu já lutava pelas minhas pautas.

    Aos poucos, fui aprendendo a ser corajosa, a delimitar o meu espaço. Aos 25 anos, eu era uma pessoa muito diferente. Acho que dar aula foi um ponto crucial nesse processo, me tornou mais altruísta e generosa, e, claro, ser prefeita e acompanhar o dia a dia da desigualdade. Se eu não tinha coragem de fazer por mim, tinha que fazer pelos outros.

     

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