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Políticas grávidas escancaram a dura realidade para mães no poder

Apesar do ambiente hostil e despreparado para a maternidade, candidatas nestas eleições afirmam que isso não poderá impedi-las de ocupar esse espaço

Por Maria Clara Serpa (colaboradora)
Atualizado em 29 set 2022, 22h14 - Publicado em 14 nov 2020, 13h30
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  • “Não vou votar em você, porque sei que logo depois de eleita você vai deixar o trabalho para ir cuidar do bebê.” Fernanda Gomes (Rede), que é candidata a vereadora em São Paulo, perdeu as contas de quantas vezes ouviu a frase durante a campanha.

    Aos 32 anos, ela resolveu conciliar um cargo de liderança em uma multinacional com o início de uma carreira política. A jornada dupla se tornou ainda mais difícil quando a paulistana se descobriu grávida, no início da pandemia.

    “Eu sempre priorizei minha carreira e atrasava a maternidade por isso. Infelizmente, sabemos que ser mãe é algo que afeta negativamente nossa vida profissional, porque fica mais difícil se recolocar no mercado e os salários se tornam mais baixos. No início do ano, conversando com meu marido, percebi que se fosse ficar esperando o momento certo para ser mãe, esse momento nunca chegaria”, conta Fernanda, que faz questão de reforçar que é privilegiada pelo fato de conseguir planejar uma gestação.

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    Fernanda faz parte de um grupo recente de mulheres atuantes na política: as grávidas e as mães. O ambiente é hostil com as mulheres, mas, apesar do despreparo para recebê-las, da violência política de gênero e das regras de licença-maternidade pouco consolidadas, elas percebem que é cada vez mais importante se inserir nesses espaços de poder.

    Na Câmara dos Deputados, apenas 77 dentre 513 parlamentares são mulheres. Na Câmara Municipal de São Paulo, que está em disputa nesse pleito, há espaço para 55 vereadores, mas apenas 11 do atual mandato são mulheres, por exemplo.

    “A diversidade na política é importante para compreender as demandas de todas as partes da sociedade. Mulheres mães entendem as dificuldades de outras iguais a elas, coisa que não entendem os homens brancos e mais velhos que são o perfil mais comum”, afirma Marina Bragante (Rede), também candidata à vereança em São Paulo e mãe de trigêmeos de 2 anos.

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    O último mandato no Congresso está sendo inedito para as mães na política. Apenas na Câmara dos Deputados, Áurea Carolina (Psol-MC), Renata Abreu (Podemos-SP), Talíria Petrone (Psol-RJ) e Greyce Elias (Avante-MG) engravidaram durante o mandato. Neste ano, a senadora Mailza Gomes (PP-AC) foi a primeira do Senado a usufruir da licença.

    A legislação brasileira prevê a possibilidade de até 180 dias de afastamento remunerado para funcionárias de empresas, o que não é estendido para eleitas. Elas têm direito a 120 dias, mas poucas tiram o período completo.

    Por ser um ambiente majoritariamente masculino, o afastamento não é visto com bons olhos pelos colegas, que criticam, fazem piadas e comentam sobre a “folga”, relatam parlamentares que já vivenciaram isso.

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    “O volume de compromissos e a dinâmica da política, não nos permite um afastamento integral das atividades profissionais, e acabamos não cumprindo a nossa licença-maternidade completamente. Algumas vezes isso acontece até porque nós mesmas compreendemos que a sociedade não pode esperar determinadas demandas, e precisamos nos desdobrar para cumprir as obrigações inerentes do cargo, o que faço com muito respeito a todos que me confiaram representá-los”, diz a deputada federal Greyce Elias.

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    Em diversas Assembleias estaduais do Brasil, o direito à licença-maternidade sequer é regulamentado. Segundo levantamento da Folha de S. Paulo, apenas 10 das 27 Assembleias do Brasil têm normas consolidadas sobre a licença-maternidade.

    Em Minas Gerais, a definição da licença não existe. No ano passado, a deputada estadual Ana Paula Siqueira (Rede) precisou abrir brecha no regimento para conseguir ficar algum tempo em casa com o filho que havia acabado de nascer. O benefício também é recente para boa parte, como a de São Paulo, estabelecida em 2003.

    Despreparo nos espaços de poder

    Por terem sido construídos como locais para homens, os ambientes políticos não possuem estruturas para receber crianças, mães ou grávidas. Apesar de nenhuma das Assembleias ou das Câmaras restringirem a entrada de bebês, são poucas as que possuem salas especiais para amamentação ou fraldário.

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    A Câmara dos Deputados afirma que existe um local próprio para as mães darem de mamar, porém a deputada federal Renata Abreu (Podemos-RJ), que engravidou do terceiro filho no ano passado, afirmou nunca ter visto o local em entrevista à Folha de S. Paulo.

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    Ao retornar às atividades, é comum que os outros deputados, senadores ou vereadores questionem do fato de as legisladoras levarem os filhos pequenos para a Câmara ou Assembleia. Manuela D’Avila (PCdoB), candidata à prefeitura de Porto Alegre e ex-deputada federal pelo Rio Grande do Sul, recebeu inúmeras críticas dos outros parlamentares e da população por uma imagem em que aparece amamentando a filha durante a Assembleia da Comissão de Direitos Humanos, em 2016.

    “A política é masculina e machista. Ela não tem espaço para as mulheres, o que nos diferencia dos homens, a ingenuidade das crianças, a naturalidade com que conciliamos nosso trabalho e nossas lutas com nossos bebês”, disse ela na época. Cabe questionar porque os políticos homens, que podem ser pais, nunca tiveram o mesmo comportamento em relação ao cuidado dos filhos. 

    “Na minha primeira campanha como deputada, tinha um bebê de 8 meses. Fui eleita e engravidei da minha filha durante o mandato. Ouvi de muita gente que era impossível conciliar tudo, mas depois da minha primeira experiência, tinha certeza que conseguiria. Para mim, política sempre foi um espaço para todos e, por isso, fiz questão de criar espaços para os meus filhos e filhos de pessoas que trabalhavam comigo dentro do meu gabinete”, conta Marina Helou (Rede), deputada estadual de São Paulo e atual candidata à prefeitura da cidade.

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    Outra queixa das mulheres é a necessidade de convocação de suplentes para substituí-las no mandato, tirando-as do cargo. A regra diz que isso não é necessário, a não ser que a mulher peça afastamento de mais de 120 dias. Porém, muitos dos deputados afirmam que essa convocação é necessária. Isso gera culpa nas mães, que se desdobram para não abrir mão do posto.

    “Eu estava com parto agendado para bem cedo e, no dia anterior, ainda estive no Congresso em sessão até as 22 horas. As preocupações da política muitas vezes fazem até nosso leite secar e a amamentação fica comprometida”, conta Greyce Elias, cuja filha nasceu há um ano.

    As perspectivas são tão desanimadoras que, segundo a candidata Fernanda Gomes, de São Paulo, quase a fizeram abandonar o plano de sair em campanha. “A primeira coisa que eu pensei quando descobri a gravidez foi em desistir, mas depois de algumas semanas consegui colocar as ideias no lugar e percebi que era ainda mais importante, mesmo sabendo que seria muito difícil”, relata.

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    Marina Bragante, outra candidata, concorda. “Tenho cada vez mais certeza de que estou fazendo o certo. Precisamos mudar essa ideia de que ter um filho é um compromisso e uma responsabilidade só da mulher. O pai dos meus filhos também cuida deles e, com isso, posso me ausentar um pouco quando preciso. Pessoas da minha equipe também ajudam. Inclusive, durante a campanha, lancei um formulário para que quem quisesse me apoiar oferecesse algum tipo de ajuda. Uma das formas de ajudar era cuidando das crianças.”

    Violência de gênero

    “Minha família não me apoia na candidatura por ter medo da violência. A política é, realmente, um local perigoso para as mulheres. Quando engravidei, isso se intensificou”, conta Fernanda. A candidata recebe comentários violentos diários em suas redes sociais. Antes da gravidez, eram falas de cunho sexual. Quando a barriga se tornou mais evidente, os questionamentos passaram a ser sobre a licença maternidade, como iria conciliar a vida pessoal e a profissional.

    “E eu nunca vi nenhuma dessas mensagens vir de uma mulher. São sempre homens. Eu, inclusive, passei a expor as mais pesadas. Sobre a licença, eu respondo apenas que quatro meses é um período curto em um mandato de quatro anos”, explica.

    Marina Helou conta que, durante a campanha para deputada, em 2018, apenas uma vez foi afetada por um comentário de um outro candidato. “Até que a aceitação com levar meu filho para os compromissos era boa. Eu dividia horários com meu marido e, uma vez, tive uma reunião e precisei levar a criança. Um candidato de outro partido me disse que eu só levava a criança porque ele era fofinho e, assim, eu conseguiria votos”.

    A situação para as mulheres está longe de ser novidade – ela apenas se tornou mais evidente pelo aumento delas no poder. Há quase 30 anos, Marina Silva (Rede), na época vereadora em Rio Branco, precisou ir às pressas para a Câmara Municipal quando a filha tinha apenas 16 dias de vida. A Casa estava analisando um pedido de cassação do seu mandato por excesso de faltas, apesar de todos saberem que ela não estava comparecendo por ter acabado de dar à luz.

    Em entrevista à Folha de S.Paulo décadas depois, Marina contou que ficou muito nervosa com a situação e o leite acabou escorrendo por toda a sua roupa. O plenário, então, aprovou a licença-maternidade para vereadoras.

    Propostas para mães

    Por serem mães, as candidatas focam boa parte de seus programas de governo e propostas para essa parcela da sociedade, além das próprias crianças, especialmente durante a primeira-infância. Em São Paulo, Marina Helou defende a Bolsa-Neném, um apoio da prefeitura para mães de crianças pequenas que não possam tirar licença maternidade.

    Com o dinheiro, a mulher conseguiria amamentar o bebê pelos primeiros meses de vida e criar um vínculo importante. Além disso, a candidata quer focar na qualidade e acabar com as filas das creches, investir em pré-natal de qualidade e puerpério assistido.

    Já Fernanda Gomes, se eleita vereadora, quer a ampliação do programa Mais Mulheres Empreendedoras e dos serviços de aborto legal na cidade, além de investir em programas de educação sexual.

    Em Belo Horizonte, a candidata à prefeitura Áurea Carolina, que tirou licença quando era deputada federal, colocou como prioridade inaugurar uma maternidade com oferecimento de parto humanizado. Enquanto em Porto Alegre, Manuela D’Ávila promete zerar déficit de vagas em creche e estabelecer o programa Renda Básica de Proteção da Infância para distribuir renda sob a garantia de que as crianças frequentem as aulas. 

    Em comum, diferentes candidatas defendem a criação de programas de parentalidade que incluam os pais também. Com uma licença-paternidade mais longa, as mulher não ficariam tão sobrecarregadas e seria mais fácil se reinserir no mercado de trabalho – e, evidentemente, as mães não seriam tão questionadas sobre o afastamento. “Os homens não querem ter que ficar mais tempo em casa e dividir o peso com a mulher, então é algo que nós temos que ir atrás porque eles não irão”, afirma Fernanda.

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