Mulheres em Campo: a Copa do Mundo como plataforma de empoderamento
Entenda como a 8ª edição do Mundial Feminino pode se tornar histórico e fortalecer mulheres dentro e fora de campo
A 9ª Copa do Mundo Feminina, que está sendo sediada na Austrália e Nova Zelândia, teve início no dia 20 de julho, mas já é possível perceber diversas diferenças. Sabemos que Mundial sempre foi um grande evento global, impulsionando a venda de produtos relacionados ao futebol e colocando todo o país na torcida, mas esse encanto e fascinação raramente era visto em edições femininas. Neste ano, no entanto, parece que o jogo está virando!
A Copa do Mundo Feminina vem ganhando maior destaque na mídia, mesmo que ainda muito menor que o da competição masculina. Esta edição, aliás, tem tudo para colaborar ainda mais para o reconhecimento das mulheres no esporte, se tornando uma plataforma de empoderamento feminino. Mayra Cardozo, advogada com perspectiva de gênero e mentora de feminismo e inclusão, fala um pouco sobre como o evento pode ser usado para este propósito. Veja só:
FIFA e ONU Mulheres
A Copa do Mundo Feminina está com uma parceria inédita entre a ONU Mulheres e a Federação Internacional de Futebol (FIFA), em virtude da igualdade de gênero e pelo fim da violência contra a mulher. “As mulheres que competem nesta Copa do Mundo são modelos para todas as meninas deste planeta. Sua força e habilidades são inspiradoras. Ao mesmo tempo, este torneio é um lembrete de que muitas mulheres e meninas são excluídas do mundo do esporte e que, mesmo aquelas que participam, muitas vezes sofrem tratamento discriminatório e, em alguns casos, abuso”, comentou Sima Bahous, diretora-executiva da ONU Mulheres, em coletiva de imprensa que apresentou a parceria.
As campanhas dessas associações são promovidas nas braçadeiras dos capitães das equipes, painéis nas laterais do campo, bandeiras durante os jogos, telões gigantes nos estádios e nas mídias sociais. Ainda de acordo com o presidente da FIFA, Gianni Infantino, a parceria deve aumentar o conhecimento sobre o futebol feminino e seu impacto em termos de saúde, empoderamento e modelos positivos para mulheres e meninas em todo o mundo.
“Essa parceria tem o intuito de celebrar as habilidades e as conquistas das equipes das jogadoras mulheres. E isso é muito bacana, porque faz com que tenha uma maior visibilidade para a Copa Feminina, tanto que se espera que seja assistida por mais de 2 bilhões de pessoas, o que seria um dos grandes marcos de audiência para uma competição esportiva feminina”, comentou Mayra Cardozo.
O papel das mulheres no futebol
A última Copa do Mundo Feminina, em 2019, foi a mais vista da história, tanto pela internet quanto pela televisão, atingindo 1,2 bilhão de espectadores. Esse número causou uma grande revolução e euforia, especialmente pelo aumento de 560% só na América do Sul. Contudo, esses números não se comparam remotamente aos resultados da última Copa do Mundo Masculina, em 2022, que gerou um engajamento total de 5,95 bilhões. Uma diferença exorbitante: 4,75 bilhões de pessoas a mais assistiram aos jogos masculinos, sendo um reflexo gritante do papel que é dado às mulheres no esporte.
“Nós aprendemos desde cedo que menina faz ballet e o menino faz futebol, então é uma forma de mudar esses estereótipos de gênero, e a menina pode fazer o esporte que ela quiser. Ela pode ser tanto bailarina quanto jogadora de futebol”, aponta a advogada.
A evolução de uma realidade patriarcal
Apesar disso, a 9ª edição da Copa do Mundo Feminina é vista diante de um suposto vislumbre de evolução, no qual, aos poucos, as mulheres vem sendo cada vez mais valorizadas no ramo esportivo – tanto no campo, quanto com as narrações. Apesar de em constante crescimento, o cenário esportivo ainda falha no profissionalismo e no respeito às jogadoras.
Em 2022, o futebol feminino teve o recorde de público em jogos entre clubes quebrado duas vezes consecutivas, atingindo um total de 41.070 espectadores na Neo Química Arena. Além disso, nos últimos anos, o ramo do esporte tem tido uma grande abertura para as mulheres, inclusive fora do campo, permitindo com que cada vez mais mulheres como Valentina Bandeira e Fernanda Gentil possam cobrir eventos esportivos – possibilidade que antes era oferecida apenas aos jornalistas esportivos masculinos.
8ª Copa do Mundo Feminina como plataforma feminina
Esta Copa do Mundo pretende quebrar recordes! A 8ª edição pretende ultrapassar novamente a quantidade de espectadores, ainda que não se comparem aos números do ano passado. Além disso, esta edição conta com uma participação recorde, visto que o número de seleções participantes do torneio passou de 24 a 32, igualando a Copa Masculina e a Feminina.
Outro fator de destaque é a igualdade de premiação anunciada pela FIFA, tornando os prêmios exatamente iguais aos distribuídos no mundial do Catar. A estimativa é que a FIFA destine cerca de R7 milhões ao prêmio do torneio. Ademais, cerca de R5 milhões devem ser divididos entre as 136 atletas que estão disputando a Copa. “O valor destinado às jogadoras neste modelo de distribuição sem precedentes terá um impacto real e significativo nas vidas e carreiras dessas atletas. Além disso, cada federação vai receber um valor recorde, baseado em sua performance”, comentou o presidente da FIFA em coletiva de imprensa.
“Apesar desse envolvimento da FIFA com a ONU Mulheres, a gente não pode esquecer que o futebol feminino sempre terá dificuldades. As jogadoras ainda vão enfrentar desafios, mesmo porque o rompimento de estereótipos de gênero não acontece do dia para a noite, ainda falta engajamento na população quando se trata da Copa do Mundo Feminina.”, alerta Mayra.
Além disso, a advogada destaca que, apesar de reforçar e enaltecer as evoluções trazidas pela FIFA, ainda é necessário apontar os erros e pontos a desenvolver: “O investimento, sem dúvidas, deixa muito a desejar. Então, apesar de a gente ter um marketing mais voltado para o futebol feminino, a gente não tem hoje um investimento financeiro, o patrocínio ainda é muito aquém. Existe também uma diferença na percepção do mercado, porque o mercado do futebol masculino é quase um mercado autônomo”, reflete.
As possibilidades de crescimento
E o que surge a partir da evolução que já temos observado? “A Copa traz uma abordagem focada na ideia de que as meninas, tanto quanto os meninos, podem escolher as atividades que mais lhes agradarem. E isso faz com que a gente construa um mundo em que existe uma maior liberdade para as mulheres fazerem aquilo que elas têm vontade e desejo. […] Quando nós mulheres acabamos vendo mulheres no campo, competindo, jogando num evento e num esporte que tem muito prestígio, as meninas que tem interesse por esse esporte podem se sentir representadas e encorajadas para entrar no esporte”, comenta Mayra.
A mulher como personagem principal
Diante de tudo isso, as mulheres – desde jogadoras até torcedoras – estão tomando posse de lugares de destaque, e se tornando as personagens principais dentro do esporte. “Ainda tem um marco bem simbólico, no sentido de quebrar uma barreira, que é a participação da mulher no futebol como um ato secundário, como alguém que não pertence ao ambiente do futebol. Então é um ato revolucionário, que quebra barreiras e tem como intuito mostrar que não existe uma limitação de gênero para nada”, finaliza Mayra.