Para que servem as eleições? Todo político é ladrão? O que são as fake news? Em um ano de votação, é quase inevitável passar por essas perguntas sobre política com crianças e adolescentes em casa. E, por mais que não sejam fáceis de explicar, todas devem ser respondidas. Afinal, os mais de 50 milhões de menores de 18 anos no Brasil (estimativa do IBGE de 2019) têm o direito à participação na vida política garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
“É recomendável que mães e pais conversem sobre o que acontece no país e a importância das eleições para a democracia. Ainda mais quando o direito ao voto é recém-conquistado, especialmente para as mulheres”, afirma Raquel Franzim, diretora de Educação do Instituto Alana.
Ela considera que não existe “idade certa” para começar a falar de política, principalmente por ir muito além de uma preferência partidária. “Toda a vida em sociedade tem uma dimensão política e isso aparece desde cedo, na disputa de brinquedos, por exemplo, um conflito que deve ser resolvido de forma pacífica e diplomática”, explica.
A diferença é que, à medida em que crescemos, lidamos com situações políticas mais elaboradas. Quando nem a Base Nacional Curricular prevê uma metodologia adequada para estudar atualidades e debates ideológicos – apesar de determinar o estudo disso nas escolas, o ambiente doméstico é fundamental nesse sentido. “Não precisa ser aula ou palestra, basta convidar a criança e o adolescente para assistir o noticiário, ler um jornal ou revista”, recomenda Raquel.
Januária Alves, especialista em Educomunicação pela USP e coordenadora da coleção Informação e Diálogo da Editora Moderna, que fala, entre outros temas, de educação política para crianças, ressalta que é preciso ter sensibilidade para saber até onde os pequenos podem compreender. “Por isso, os tutores devem procurar saber como a escola de seus filhos vai abordar o assunto e entender que nem sempre o papel dela vai ser o mesmo da família.”
“A escola existe justamente para ampliar o repertório. É obrigação dela, inclusive, falar de temas sobre os quais algumas famílias não se sentem à vontade para abordar em casa”, concorda Raquel. Para ela, o importante é salientar que “política é escolha”, e esse processo deve ser valorizado em todos os momentos da educação, desde o ensino de que “não se pode ter tudo” até o de que nossas escolhas políticas “não devem privilegiar interesses individuais, mas, sim, coletivos”.
Essa abordagem também ajuda a mitigar polarizações, principalmente ideológicas: beligerância que se acirrou nos debates políticos no Brasil e da qual os pequenos não estão imunes. A própria Januária conta que, em seu trabalho com educadores, ouviu inúmeros relatos de crianças de não mais que 10 anos atacando-se verbalmente como “bolsominion” ou “lulista ladrão”. “Não é possível conviver em uma sala de aula onde crianças se agridem em nome da política”, lamenta.
Trata-se de uma discussão de cidadania, coincidem as fontes ouvidas nesta reportagem. Por impossível que seja não demonstrar afinidades partidárias em casa, a família não deve mostrar isso com desrespeito e ódio. “É preciso reforçar que ideias contrárias às nossas não necessariamente devem ser eliminadas”, resume Raquel.
Outra dica para uma boa educação política – que vale para crianças e adultos – é exercitar a compreensão de ideias. “Posso não gostar de você, mas posso reconhecer que seus argumentos são válidos. Essa capacidade de ouvir e de argumentar deve ser passada aos menores para que entendam que pessoas pensam diferente e, nem por isso, elas são boas ou ruins. É preciso mostrar que ninguém é só uma coisa ou outra”, diz Januária.
A capacidade de ouvir e argumentar deve ser passada para que entendam que pessoas pensam diferente
Januária Alves, especialista em Educomunicação
Mas a verdade sempre deve ser dita, principalmente porque, como explica a neuropsicóloga Deborah Moss, quando uma criança pergunta alguma coisa, ela já tem uma hipótese sobre a resposta. “Se ela questiona em quem os pais vão votar, o importante é explicar o porquê desse voto, sem dizer que odeia o outro candidato.” Ela também orienta a devolver a pergunta depois que o adulto dá a própria resposta. “O que você acha disso?” é uma questão que mostra o interesse no que os pequenos têm a dizer.
O jovem é levado a sério?
Essa é uma pergunta que ainda não é feita o suficiente para os adolescentes brasileiros, na opinião de Gabriel Marmentini, diretor executivo do Politize!. Segundo ele, o estereótipo de que a juventude não tem conhecimento para se posicionar em relação aos problemas do país e da nossa sociedade é um dos fatores responsáveis de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registre este ano o menor número de adolescentes de 16 e 17 anos com título de eleitor na história.
“A gente já nasceu afastado da política e os últimos anos prejudicaram ainda mais a participação da sociedade civil, porque a prioridade passou a ser a luta pela sobrevivência, em relação à saúde e ao desemprego.”
Ao mesmo tempo, Gabriel avalia que a pandemia de Covid-19 fez as pessoas perceberem que “tudo é política”, já que a decisão de governantes teve impacto direto na saúde de pessoas amadas, por exemplo. Sua percepção é de que, apesar da baixa emissão de títulos eleitorais, os jovens estão cada vez mais próximos da política. De fato, basta fazer uma rápida procura nas redes sociais para observar a quantidade de adolescentes engajados na defesa dos direitos LGBTQIA+, na luta antirracista e na defesa do meio ambiente.
“As redes sociais são uma forma de se manifestar politicamente de forma não institucional”, diz Gabriel. Para incentivar essa participação, ele orienta familiares e tutores a “chamar para a conversa” e criar espaços seguros em casa, onde os jovens saibam que o que for dito não será usado contra eles.
O estímulo à pluralidade de visões, justamente para afastar polarizações, também é relevante, com provocações como “Você já conversou com alguém que pensa diferente para entender por que ela tem essa opinião?”, além, claro, de mostrar como identificar informações falsas e fora de contexto. “Ensinar a ir atrás de boas informações ajuda esses jovens a chegar a suas próprias conclusões e, inclusive, saber que podem mudar de opinião”, ressalta a neuropsicóloga Deborah Moss. Os especialistas também recomendam trazer a perspectiva política sempre do micro para o macro-contexto, ensinando o que existe de política na vida doméstica, no condomínio, na escola, no bairro…
As pessoas ouvidas por CLAUDIA batem, mais uma vez, na tecla de que política não é só institucional e isso não deve ser esquecido. “A roupa que você compra, o que você come, a decisão de ir na balada e usar droga ou dirigir sem carteira… Tudo são decisões políticas que têm consequências na vida em sociedade”, conclui Gabriel.
Mesmo sem título de eleitor, crianças e adolescentes têm o direito de participar da vida política, que vai além de escolher um presidente. Especialistas indicam como assunto deve ser tratado no lar e na escola.