Uma das diferenças entre os sexos menos conhecida do público geral está ligada a questões de saúde. Sim, no geral, mulheres passam mais tempo de vida com problemas de saúde do que os homens — em média 25% a mais. Isso tem um grande impacto na qualidade de vida e no bem-estar delas, é claro, mas também afeta o bolso de toda a sociedade.
Quem faz o alerta é o relatório do McKinsey Health Institute, em parceria com o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), que, neste ano, convocou uma aliança global para não só promover o bem-estar individual das mulheres, como também impulsionar a economia global em US$ 1 trilhão anuais até 2040 (um acréscimo de 1,7% ao PIB per capita).
Desses, US$ 13 bilhões dizem respeito ao Brasil. “Eliminar o gap nos cuidados com a saúde feminina melhoraria a vida de 3,9 bilhões de mulheres no mundo até 2040, com reflexos diretos na economia, acelerando o crescimento sustentável e inclusivo”, consta no documento.
A lacuna de saúde entre homens e mulheres, quando colocada em cifras e números, é uma forma de tentar provocar mais pessoas para o debate sobre o direito à saúde feminina.
Quando se olha para o Brasil, a grande “oportunidade econômica” estaria relacionada aos cuidados com as mulheres que sofrem de Síndrome Pré-Menstrual (SPM), cujo impacto potencial no PIB global foi apontado em US$ 2,4 bilhões, seguida pela depressão (US$ 2 bilhões) e a enxaqueca (US$ 1,5 bilhão).
Ainda completam essa lista os transtornos de ansiedade, outras enfermidades ginecológicas, osteoartrite, artrite reumatoide, câncer de colo do útero, asma e dor lombar.
O relatório mostrou ainda que as mulheres têm mais problemas de saúde justamente nos anos produtivos, ou seja, aqueles em que se trabalha, entre os 20 e os 60 anos, e não no final da vida, como seria de imaginar.
“Existe uma confluência de fatores, como um ambiente de trabalho perverso, a pressão da dupla ou tripla jornada para alcançar renda mínima, a necessidade de cuidar desde os filhos até os pais, a falta de tempo para si.
Estamos convivendo com o empobrecimento da mulher, o que a afasta do lazer, da atividade física, da cultura, do ócio”, afirma a economista, pesquisadora e professora da Unicamp, Marilane Teixeira, membro da Rede Brasileira de Economia Feminista (Rebef).
Marilane destaca que a pressão no ambiente de trabalho apresenta uma “mudança radical” nas últimas décadas. “Na era industrial, as doenças ocupacionais estavam relacionadas à perda de membros em máquinas e ambientes químicos nocivos, por exemplo. Hoje, são psicossociais e ocorrem, principalmente, entre as mulheres”, afirma a economista.
Ela chama a atenção para o caso da ansiedade. “É preciso dar visibilidade ao problema que aparentemente é individual, mas que pode decorrer do ambiente social.”
Ginecologista e obstetra do Hospital Israelita Albert Einstein, Ana Paula Beck reitera que a relação entre saúde feminina e a produtividade econômica é um tópico complexo, inserido em várias questões importantes. “Primeiro, é fundamental reconhecer a legitimidade dos desafios de saúde das mulheres.
A TPM e a menopausa não são simplesmente desconfortos passageiros, elas podem ter efeitos profundos no bem-estar físico, emocional e psicológico. Isso, por sua vez, afeta o desempenho profissional e o engajamento em atividades do cotidiano.” Ou seja, as mulheres não estão só “de TPM” — elas estão doentes.
“Reconhecer e abordar o impacto econômico da TPM e da menopausa abre a porta para uma discussão mais ampla sobre como a saúde feminina é valorizada na sociedade.”
Entre a depressão e a exaustão
Encarar esse difícil equilíbrio é uma realidade que a administradora de empresas especializada em gestão de pessoas Juliana Assunção, 42 anos, conhece bem. Após se formar, ingressou no mercado corporativo, onde ficou por 17 anos, entre 2001 e 2018. Nesse período, entregou o que a sociedade a impôs.
“Fui treinada para ser uma mulher forte, que cuidava dos outros, perfeitinha. Comia mais do que eu precisava para performar bem em todos os meus papéis. Então, em 2009, tive de fazer uma cirurgia de redução de estômago. E só depois comecei a tratar o que na verdade descobri ser depressão”, conta.
O momento de maior realização profissional, incluindo um alto salário na indústria farmacêutica, foi também quando estava mais doente, brigando com a balança, a depressão e a exaustão.
A mudança começou depois que sua filha, hoje com 9 anos, nasceu. “Não entendia por que tinha que trabalhar como se não tivesse uma filha e ter uma filha como se não tivesse que trabalhar. Fui me entristecendo e adoecendo cada vez mais”, diz. Ela chegou a associar quatro medicações e se entregou à bebida alcoólica.
“Estava entrando em falência e em colapso físico e mental. Resolvi começar uma mudança. Aceitei que a gente pode ir ao fundo do poço e voltar.”
Juliana fez uma transição de carreira, se tornou doula e terapeuta de medicinas alternativas e vive em uma casa no campo. É conhecida pelo seu conceito sobre “inteligência cíclica”, que determina o conhecimento do ciclo menstrual aliado à rotina como fonte de saúde e bem-estar.
Ela chama a atenção para o fato de a percepção de burnout e adoecimento piorar na TPM, por ser o final do ciclo. “É a fase de morte, o subconsciente convida a consciência a se afastar, silenciar, e a maioria de nós não consegue fazer isso porque foi treinada para performar. Quando chega nesse momento, que você passou duas fases anteriores conseguindo fazer tudo, o pedido do corpo para desacelerar causa desespero”, interpreta.
Problema de mulher
Outro ponto levantado é que a saúde da mulher é subfinanciada, seja pelo Estado ou pela iniciativa privada. Apenas 2% dos investimentos em inovação na saúde são aplicados especificamente em soluções para mulheres.
O relatório da McKinsey constatou que onze startups focadas em disfunção erétil, entre outras questões de saúde masculina, obtiveram US$ 1,24 bilhão em financiamento entre 2019 e 2023, enquanto oito dedicadas à endometriose receberam US$ 44 milhões — 28 vezes menos.
No Reino Unido, por exemplo, mulheres têm menos probabilidade de receber medicamentos para prevenir ataques cardíacos; e cerca de três vezes mais meninos são diagnosticados com autismo do que meninas.
Nos Estados Unidos, são diagnosticados apenas dois em cada dez casos de endometriose, considerada “a doença esquecida”; e as mulheres representam o maior número de pessoas (80%) com doenças autoimunes, mas demoram em média cinco anos para obter diagnóstico.
Na Dinamarca, um estudo feito ao longo de 21 anos mostrou que mulheres foram diagnosticadas mais tarde do que homens para mais de 700 doenças — nos casos de câncer, o atraso foi de mais dois anos e, nos de diabetes, foi de quatro anos e meio.
A partir de alianças públicas e privadas, de investimentos e do despertar da consciência da classe médica, além de mais acesso e orientação, é preciso iniciar o processo de reversão desse quadro de disparidade de gênero — que, ainda por cima, trava o desenvolvimento econômico de um país. Investir na saúde da mulher tem um potencial trilionário. É acrescentar mais anos à vida delas e mais vida aos anos que elas têm.