Quando se pensa em alteração significativa de saúde durante a gravidez, o mais comum é lembrar de diabetes gestacional. Mas há uma outra condição endocrinológica que merece atenção nesta fase da vida da mulher: a disfunção na glândula tireoide. Apesar de acometer entre 5% e 10% das gestantes, ela ainda é muito pouco falada.
Para jogar uma merecida luz sobre o assunto, a SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) celebra, de 20 a 25 de maio de 2019, a Semana Internacional da Tireoide com o tema “Tireoide e Gestação”. O objetivo é que as mulheres fiquem mais atentas à relação entre o funcionamento da glândula e a gravidez e não tenham medos infundados – até porque grávidas já tendem a ser cheias de preocupações e não precisam de mais uma desnecessariamente.
Sintomas de disfunção na tireoide na gravidez
Se a disfunção for o hipotireoidismo – quando a glândula tireoide produz menos hormônio T4 livre do que deveria e os níveis do hormônio TSH sobem –, os sintomas clássicos são o cansaço e o desânimo excessivos. Aqui estamos falando de exaustão completa, não “só” daquela falta de energia típica da gravidez. Este caso é o mais comum dentro do universo de 5% a 10% das grávidas que apresentam alteração.
Já no hipertireoidismo, bem mais raro – cerca de 0,2% dos casos –, a glândula produz mais T4 livre do que deveria e os níveis de TSH caem, deixando como sintomas o batimento cardíaco acelerado, dificuldade para dormir, nervosismo e intolerância ao calor.
O que causa tudo isso, veja só, são os próprios hormônios da gravidez, que podem interferir na produção hormonal de todo o corpo de uma mulher que já tenha predisposição para isso. Histórico familiar ou doenças autoimunes são fatores que devem despertar alguma atenção extra para o risco de disfunção na tireoide no período gestacional.
Tratamentos para as disfunções na tireoide na gravidez
Silvia Herrera, ginecologista e obstetra do Salomão Zoppi Diagnósticos, explica que diante desses sinais são pedidos exames de sangue e, confirmada a disfunção, parte-se para o tratamento adequado. O diagnóstico costuma ocorrer no primeiro trimestre da gestação.
No hipotireoidismo é feita a reposição hormonal, que não afeta negativamente o bebê. Já para tratar o hipertireoidismo é preciso ter muita cautela e pesar os prós e os contras: “Os medicamentos apresentam um maior risco de malformação fetal, então cabe ao médico analisar a real necessidade de tratar e, se for realmente imprescindível, as dosagens dos remédios.”
O hipotireoidismo não tratado pode prejudicar imensamente o bebê, pois até o sexto mês de gravidez o hormônio tireoideano da mãe passa pela placenta e é usado na formação dos órgãos vitais e do sistema nervoso central, especialmente na migração neuronal, ou seja, a organização dos neurônios no cérebro. Sem esse aporte, todo o processo é comprometido.
No caso do hipertireoidismo não tratado, os maiores riscos são o parto prematuro e o baixo peso do bebê.
A boa notícia é que as duas condições normalmente são transitórias. Isso quer dizer que, nos meses após o parto, a tendência é que as produções de T4 livre e de TSH voltem ao normal e a saúde da mulher também. Se não voltarem, um/a endocrinologista deverá ser consultado/a para analisar o que está ocorrendo e encaminhar um tratamento.
Mitos e verdades sobre disfunção na tireoide na gravidez
Entendida a relação entre o funcionamento da tireoide e a gravidez, pedimos para Silvia e também para Suemi Marui, endocrinologista do Delboni Auriemo, Myrna Campagnoli, endocrinologista do laboratório Fischmann Aisengart, e Annelise Lopes, patologista e diretora médica do Laboratório Médico Santa Luzia, esclarecerem os mais importantes mitos e verdades sobre o assunto. Vamos lá!
O aumento de peso na gravidez leva a disfunções na tireoide.
MITO. As disfunções na tireoide durante a gravidez são decorrentes de alterações hormonais agudas. Por mais que o ganho de peso em outras fases da vida possa desregular a função hormonal, esse não é o caso durante a gestação.
A mulher que já tem disfunções na tireoide precisa tomar cuidados extras na gravidez.
VERDADE. São necessários mais exames de sangue ao longo da gestação para verificar como estão os níveis de T4 livre e, se necessário, fazer a reposição hormonal para não prejudicar o desenvolvimento do feto, como explicado anteriormente.
Nódulos na tireoide durante a gravidez sinalizam alguma disfunção na glândula.
MITO. Os nódulos não são tumores, não têm nada a ver com câncer e normalmente são benignos e não causam alterações nas funções da tireoide. Só é necessário fazer um acompanhamento e, se for o caso, lidar com eles (cirurgia ou medicamento) depois que o bebê nascer.
Mulheres que fazem tratamento para a tireoide durante a gravidez não podem amamentar.
MITO. Os medicamentos de reposição hormonal ou de inibição de produção do T4 livre não interferem de forma negativa no leite materno.
Dietas de emagrecimento durante a gestação podem causar disfunções na tireoide.
VERDADE. Elas podem levar a uma carência de iodo no organismo, e o iodo participa da produção do T4 livre. Mas, vamos e venhamos, gravidez não é fase da vida para fazer dieta restritiva para perder quilinhos extras; aproveite o brilho desses nove meses e, se for o caso, deixe a preocupação com a balança para depois que o bebê nascer. Se for necessário fazer uma dieta por indicação médica relacionada a alguma questão de saúde, ela deverá ser acompanhada por uma nutricionista ou por uma nutróloga especializada em gestantes para garantir o consumo necessário de iodo.
O hipotireoidismo da mãe é passado para o bebê.
MITO. Apesar de receber o hormônio T4 livre da mãe, o feto tem função tireoidiana própria e independente da mãe. O hipotireoidismo do bebê que pode ser detectado no teste do pezinho não tem nada a ver com hereditariedade, ou seja, pode ocorrer tanto em bebês cujas mães tenham essa disfunção quanto naqueles cujas mães tenham a função hormonal perfeita.
A gravidez pode desestabilizar uma condição da tireoide que já era considerada controlada.
VERDADE. Muitas vezes, a mulher tem um hipotireoidismo ou um hipertireoidismo controlado com medicamentos e eles não são suficientes para “segurar” a alteração hormonal da gravidez. Nestes casos, deverá ser feita uma reavaliação do tratamento e uma adaptação para a situação gestacional.