A arte, a resiliência e o verdadeiro valor de ser uma enfermeira
Nesta terça-feira (12) é comemorado o Dia da Enfermagem. Para homenagear a classe, CLAUDIA conta histórias de mulheres apaixonadas por sua profissão
Cecília Maria Izidoro Pinto, 57 anos, decidiu que iria ser enfermeira ainda muito cedo, quando um caso de doença na família a fez passar um período dentro de hospitais. Desistiu da vontade de estudar música para se dedicar à arte de cuidar de outras pessoas. Crescida e educada no subúrbio de Ramos, no Rio de Janeiro, Cecília foi criada por uma avó professora que a incentivou a se dedicar aos estudos. Aos 18 anos, se formou como auxiliar de enfermagem pelo Senac e ingressou à primeira turma de enfermeiras da Força Aérea Brasileira, ainda nos anos 80, sob Regime Militar. Um ato pioneiro.
Dalva Iara Ghilardi de Paula, 39 anos, nasceu em Iporã do Oeste, em Santa Catarina, e, assim como Cecília, foi movida pelo desejo de poder cuidar das pessoas e educar outras sobre a área da saúde. Formada aos 20 anos, se especializou em Enfermagem nas Doenças Infecciosas, pela Fiocruz e já passou por vários estados do Brasil, como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, além do estado natal. Atualmente, trabalha no Hospital das Forças Armadas como Enfermeira Civil da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e no Hospital Militar de Área de Brasília (HMAB).
Neste 12 de maio é comemorado o Dia da Enfermagem, em homenagem a Florence Nightingale, que nasceu neste dia e foi enfermeira pioneira do cuidado com feridos de guerra. Para homenagear todos os profissionais da Enfermagem, CLAUDIA conta as histórias destas duas enfermeiras, que encontraram na profissão força para serem resilientes e crescerem, não só profissionalmente, mas como seres humanos que decidiram dedicar suas vidas às vidas dos outros.
Paixão, luta e superação
Cecília fez parte da primeira turma de enfermeiras da Força Aérea Brasileira, um ambiente predominantemente masculino, o que representou um movimento de mudança importante naquela época. Apesar disso, a enfermeira não sente que houve grandes obstáculos em seu caminho.
“É lógico que não existe um ambiente de trabalho em que a mulher não encontre dificuldades. Mas eu, que fazia o que eu gostava, que já trabalhava no centro-cirúrgico, que é a minha paixão, eu não vi essas dificuldades. Eu estava tão obstinada em chegar na formação que eu desejava, que eu não vivenciei tantos empecilhos”, relata em conversa por telefone. “A resiliência, quando sonhamos com algo, nos faz superar muita coisa”, completa.
Hoje em dia, Cecília é docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e faz parte da Câmara de Políticas Raciais da instituição, um movimento que luta pela implantação de políticas sociais afirmativas e de direito de acessibilidade das pessoas negras à universidade. “A cereja do bolo da minha carreira, o coroamento do meu trabalho, é poder participar do acesso e da visibilidade dessa população dentro da universidade”, declara. “É a oportunidade de estar participando da implementação de uma política que atinge a minha própria história”, finaliza.
Dalva também partilha dessa perseverança e da obstinação em sua carreira. Por conta das constantes mudanças, que ocorriam em virtude da carreira do marido, precisou estudar e se esforçar muito, às vezes aceitando empregos com carga horária extensa e com baixa remuneração, para conseguir se garantir no mercado de trabalho. Somado a isso, está a dor da perda de um paciente.
“São inúmeros os casos em que eu poderia passar horas relatando. Sempre que me lembro, me vem a nítida imagem das faces, dos olhares e da sensação de impotência e tristeza que assola a equipe. Não somos insensíveis, mas aprendemos a conter nossas emoções para poder dar apoio a quem mais precisa nesses momentos”, relata.
Apesar disso, Dalva considera que os desafios da carreira são importantes para crescer como pessoa e profissional. “Hoje agradeço por cada oportunidade, dificuldade, por cada lágrima derramada. Todas essas experiências me fizeram ser a profissional que hoje me tornei”, afirma.
Combate ao coronavírus
Mesmo de que forma indireta, Cecília e Dalva estão atuando no combate ao novo coronavírus. Dalva, como membro executora da CCIH, deve garantir que todos os profissionais de saúde sigam os protocolos e ações de segurança. Cecília, como docente e uma das professoras responsáveis pela gerência do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, presta apoio à toda a equipe de enfermagem que está na linha de frente.
Sobre o assunto, embora tenham sido entrevistadas separadamente, ambas concordaram com um ponto em comum. Apesar de estarem entre os profissionais denominados de “heróis” neste momento da crise da pandemia, é necessário que haja uma maior valorização profissional da enfermagem.
“A equipe de saúde, assim como toda a equipe de enfermagem, enfrenta batalhas intensas no seu dia a dia e nem sempre saímos ilesos. Temos muitos colegas doentes, acometidos por doenças físicas e psíquicas, por eles e por todos os que sofrem, temos que manter a fé e se cuidar ao máximo, cuidar do colega, da equipe, cada profissional é valioso e nesse momento temos um importante papel a cumprir, talvez o mais importante em décadas”, declara Dalva.
“Ao mesmo tempo que está clara a importância da enfermagem na crise da pandemia, ao mesmo tempo eu vejo que muitos ainda não conseguem valorizar a ação das enfermeiras”, opina Cecília. “Seja em oferecer condições de trabalho seguras para essa equipe profissional, seja para oferecer suporte à essa equipe para que o profissional possa dar conta dessa exigência emocional. Eu acho que vai haver em algum momento, seja dentro da crise ou no pós-crise, a necessidade de refletir, verdadeiramente, a importância desses profissionais”, completa.
O valor da profissão
Muito emocionada durante nossa conversa, Cecília fez um pedido: “Eu preciso falar isso, porque se eu não falar eu morro. [Ser enfermeira] é realmente uma profissão muito linda. É uma profissão que dá tudo o que precisamos para crescer como seres humanos: experiência, convivência e ciência”, declarou sem conter as lágrimas. Ela não precisava explicar a razão, mas completou: “É porque nós estamos morrendo também. Muitas pessoas estão vindo [se candidatar a uma vaga no Hospital Universitário] para ajudar. E isso é aquilo que não está escrito sobre o que um enfermeiro tem que ser: uma pessoa que tem disposição de ajudar. Quando eu vejo fotos com marcas [da máscara no rosto dos médicos e enfermeiros], eu fico sensibilizada e fico rezando para que essas marcas sejam cada vez menores, porque a gente não precisa de uma profissão que fique marcando nossa face, que fique matando a gente. Nós queremos uma profissão que cuide do amor de alguém, porque nós também temos pessoas que nos amam”, finaliza.
Dalva não pensa de maneira diferente. Em suas falas, também é possível sentir a mesma paixão de Cecília pela sua profissão. “Fazemos a diferença na vida de muitas pessoas, seja por diminuir seu sofrimento ou lhe ensinar a melhor maneira de cuidar de sua saúde. Apesar de muitos nos chamarem de ‘anjos sem asas’ ou ‘heróis’, não me sinto assim, mas nossa profissão é ser gente cuidando de gente”, opina.
Para finalizar, Dalva traz um ensinamento serve para refletirmos. A palavra “enfermeiro” se compõe de duas palavras do latim: “nutrix”, que significa ‘mãe’, e do verbo “nutrire”, que tem como significados ‘criar’ e ‘nutrir’. Essas palavras no século XIX se transformaram na palavra “nurse”, que é “enfermeira” em inglês. “A palavra ‘mãe’ está presente até na formação do nome da profissão. E uma mãe não abandona seus filhos. Sigam firmes, não somos heróis, mas somos enfermeiros!”
Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva: