Agorafobia, a exposição ao risco que leva ao pânico
Caracterizado como um distúrbio de ansiedade, a fobia gera comportamentos de fuga intensos e baseados no medo
Com papel e caneta na mão, Kássia estava pronta para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), em 2012, quando precisou pedir ajuda durante a prova. “Comecei a passar mal e avisei a fiscal da sala, que me tirou do lugar e me deu chocolate, pensando que era falta de açúcar”, conta Kássia Nunes Noguez, de 26 anos, do Rio Grande do Sul, sobre o que seria identificado depois como um episódio de agorafobia.
A ajuda surtiu efeito e a estudante conseguiu terminar a prova e conquistar vaga no curso de Tecnologia em Toxicologia Ambiental. Porém, em um trabalho voluntário na faculdade, o mal-estar em uma situação vulnerável apareceu novamente. “Enquanto caminhava em uma rodovia para catalogar animais mortos e feridos, senti que ia desmaiar, avisei minha dupla, mas ele disse que não tinha o que fazer. Minha reação foi pedir carona e, imprudentemente, entrei em um carro de um casal com o os filhos, que me levou para o ponto de encontro do projeto”, relembra.
Ao se ver em uma situação em que identificava certo risco, como engarrafamento, locomoção de ônibus, partida de futebol, Kássia enfrentava as crises novamente. “Começou a me atrapalhar tanto, que fui na psiquiatra. Assim, tive o diagnóstico de síndrome do pânico e agorafobia. Entendi que não tinha medo de morrer, mas sim de achar que passaria mal e não iriam me socorrer, como aconteceu no episódio da rodovia, quando minha dupla disse que não tinha o que fazer”, comenta.
De origem grega, o radical “ágora” era o nome das praças em que aconteciam as feiras, mercados e grandes reuniões, enquanto o “fobos” significa medo. De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiatra Americana (DSM-IV), a agorafobia é um distúrbio de ansiedade que gera comportamentos de fuga quando o indivíduo se depara com situações ou locais difíceis de escapar ou receber socorro caso aconteça algum problema.
Associado ao transtorno de pânico, a fobia pode estar ou não associado a um episódio em que o indivíduo ficou vulnerável ao risco. Quando não há uma vivência anterior ligada à situação ou ao lugar que gera gatilho, o transtorno pode ser motivado pelo contexto social, como a pandemia que vivemos, ou por uma criação familiar, a exemplo de pais e responsáveis que superprotegem os filhos.
Enfermeira de um hospital na grande São Paulo, Maria Fátima Marques, de 63 anos, não conseguiu voltar ao trabalho que realiza há mais de 20 anos. “Só de imaginar o percurso dentro do ônibus sinto um medo incontrolável, além da exposição dentro do hospital”, conta a profissional que faz parte e também é casada com uma pessoa do grupo de risco. “Tentei explicar para os meus supervisores e mostrei o diagnóstico da psiquiatra, mas a solução que eles me deram foi a mudança de setor, que não me sinto preparada”, revela. Assim como Fátima, Kássia também teve problemas profissionais por conta do seu quadro. “No meu antigo trabalho, fui demitida após o início de uma crise. Depois de 14 dias afastadas, quando retornei, optaram pelo meu desligamento”, lamenta.
A psicóloga Mariana Luz alerta que a pandemia pode acentuar tendências a transtornos e fobias. “Se você já tem medo de sentir medo, em um momento de medo coletivo, pode escalonar ainda mais”, diz. É fato que o coronavírus circulando na sociedade muda o comportamento dos indivíduos principalmente como forma de proteção. Porém, a especialista explica como diferenciar precaução de descontrole. “A pessoa deve acompanhar os sentimentos e notar diferenças que afetem sua qualidade de vida e, principalmente, observar se os sentimentos são iguais ao momento anterior ou se estão mais ou menos intensos”, aconselha Mariana.