Henrique Ávila, 25 anos, cresceu sabendo que sua mãe era portadora do vírus HIV e sempre acompanhou o duro tratamento a que ela se submete. Estar tão perto dessa realidade, porém, não impediu que o mesmo acontecesse com ele: aos 16 anos, deixar de usar o preservativo uma vez foi o suficiente. “Como tantos, eu achava que aquilo nunca aconteceria comigo. Mas aconteceu.” Henrique é um entre os milhares de jovens infectados pelo vírus no Brasil todos os anos. Na última década, o número de novos casos na população de 15 a 24 anos aumentou mais de 50%, enquanto no restante do mundo houve uma queda de 32% na mesma faixa etária. Segundo dados do Ministério da Saúde, atualmente um em cada três infectados é jovem. “Entre 30% e 35% do total são indivíduos abaixo dos 25 anos. Deles, 20% têm menos de 20”, diz o infectologista Artur Timerman, coautor, com a jornalista Naiara Magalhães, do livro Histórias da AIDS (Autêntica, 37 reais).
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Esses jovens cresceram depois da disseminação dos tratamentos com retrovirais. Portanto, nunca enxergaram na doença uma sentença de morte – diferentemente da geração que cresceu na década de 1980. Além disso, mantêm a sensação de onipotência, tão própria da idade – essa é a fase da descoberta sexual, quase sempre com maior rotatividade de parceiros, o que aumenta o risco de infecção. “Para piorar, muitas vezes o sexo ocorre no fim de uma balada regada a álcool e drogas, o que faz com que muitos percam o controle”, diz a médica Daniela Vinhas Bertolini, coordenadora técnica da equipe de pediatria do Centro de Referência e Treinamento do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo.
Comportamento destemido, baladas e experimentação sexual são comuns a jovens do mundo inteiro – e, mesmo assim, na maioria dos países a infecção diminui. Para os especialistas, o que falta no Brasil é informação. “Ao mesmo tempo que somos bombardeados pela banalização da sexualidade, falamos pouco sobre ela”, diz a psicóloga Cely Regina Batista Blessa, pesquisadora do Núcleo de Estudos para Prevenção da Aids da Universidade de São Paulo. “As campanhas do governo são ações isoladas, e nenhuma ação isolada é eficaz na prevenção”, alerta. A psicóloga aponta como agravante o conservadorismo da sociedade brasileira. “Determinados grupos conseguiram impedir que kits sobre sexualidade fossem distribuídos nas escolas, por exemplo. E há muito preconceito, outro fator limitante para o acesso à informação.” A falta de respeito às regras, também comum por aqui, é outro traço cultural que não ajuda. Por isso, é tão urgente falar sobre aids com os filhos.
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Papo reto
Mas como? Um dos caminhos é mostrar, em detalhes, quais as consequências da doença. “Passei por uma fase de depressão até aceitar o que havia acontecido comigo”, afirma Henrique Ávila, que hoje, como coordenador da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids, trabalha acolhendo jovens soropositivos. Sua dor tem muitos motivos: além do estigma da doença, o tratamento evoluiu, mas continua penoso. “Não se deve banalizar a convivência com o vírus. É necessário tomar remédios pelo resto da vida, o que, no caso do jovem, pode ser por mais cinco ou seis décadas, com visitas regulares ao médico pelo menos duas vezes ao ano”, explica Timerman. “Isso sem falar nos efeitos colaterais dos medicamentos, que podem incluir alterações das funções renais e do sono, osteoporose, náusea, vômito e tontura”, diz ele. A lista é extensa. Dela também fazem parte modificações inclusive na aparência: o uso prolongado das pílulas, somado à ação do HIV, costuma causar lipodistrofia – má distribuição da gordura do corpo –, que ainda tem potencial de levar a doenças crônicas, como diabetes, e riscos cardiovasculares.
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Falar das consequências com os filhos é tão importante quanto tratar da prevenção. O objetivo não é aterrorizá-los, mas “jogar a real”, como os próprios diriam. Afinal, se HIV soa como algo distante e abstrato, o cenário de dificuldades e efeitos desagradáveis tem potencial para trazer a doença para perto – e, por consequência, para aumentar o desejo de evitá-la. Nesse sentido, as campanhas do Ministério da Saúde e de ONGs que percorrem escolas e universidades são fundamentais, mas a lição de casa dos pais tem papel decisivo, por menos agradável que ela seja. “Muitos pais nos procuram para que a gente converse com seus filhos, dizem que não conseguem tocar nesse assunto. Um profissional pode ajudar, claro, mas o melhor é que pai e mãe falem, de um jeito direto e aberto, mas com afeto e confiança”, afirma Daniela. Para que o papo seja levado a sério, divida informações e dados com seus filhos. “Trate da sexualidade, não apenas do ato sexual”, orienta Cely. “Crie um diálogo, não um monólogo. Ouça as dúvidas, os desejos, os sentimentos e medos.”
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Bater na tecla do uso da camisinha é fundamental, mas não basta. A Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira, apresentada neste ano em Brasília, comprova que 94% dos brasileiros de fato sabem que o preservativo é a melhor forma de prevenção às DSTs e aids. Mesmo assim, 45% da população sexualmente ativa do país não usou nenhum nas relações sexuais casuais nos últimos 12 meses. Um estudo recente sobre aids realizado pela Editora Abril (que publica CLAUDIA) mostrou que sexo, em geral, é um assunto que os jovens tratam com os amigos. O tema até é abordado com a família, mas não como deveria. Mais: 43% já falaram do assunto em casa, mas 68% acham que o papo não foi suficiente. Para reverter esses números, ter seus argumentos ouvidos e ganhar a confiança dos filhos, a relação com eles tem que ser próxima, o que não se contrói da noite para o dia.
“Muitos dos que ficam chocados com o resultado soropositivo dos filhos nem sabiam que eles já tinham vida sexual ativa”, diz Daniela. “Há pessoas que acreditam que conversar sobre sexualidade é estimular a promiscuidade, o que é uma ideia errada”, alerta Cely. Lembre-se: se seu filho decidir iniciar a vida sexual, ele o fará; portanto, melhor estar perto para poder orientá-lo. “Dispa-se do papel de ‘sabe tudo’. Mostre que tem vergonhas, divida seus medos, diga que também tem dúvidas, gagueje se for preciso. Mas converse. E busque informação”, recomenda Cely.
Outra medida importante é o teste de HIV regular – uma vez por ano a partir do início da vida sexual é indicado. “Quanto mais cedo é feito o diagnóstico, mais sucesso tem o tratamento”, alerta Timerman. Quando a medicação é tomada adequadamente, o soropositivo mantém a carga viral em níveis indetectáveis – o risco de transmissão cai 96%. O tratamento, portanto, faz toda a diferença também para conter a epidemia.
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