A vida de Déa Oliveira, de 49 anos, era tudo menos monótona. Em 2019, a mineira alternava entre a correria uma graduação em psicologia e o estágio obrigatório, além de cuidar das tarefas de casa. Ativa e estudiosa, o que Déa menos esperava era se ver levada por uma onda de cansaço extremo que acabaria sendo diagnosticada como miastenia gravis, uma doença rara incurável que atinge cerca de 150 mil pessoas por ano no Brasil.
“Eu corria todo dia com o meu cachorro – e eu adorava! Mas, um dia eu comecei a não conseguir mais. Em 100 metros, eu já sentia um cansaço absurdo. Mas, na minha cabeça, eu apenas estava cansada das minhas atividades e eu estava estudando demais, além de estar morando sozinha em Juiz de Fora. Para mim, o meu cansaço era aquilo”, conta Déa.
A mineira concedeu entrevista exclusiva para a CLAUDIA durante a pré-estreia de Viver é Raro, série documental da Globoplay em parceria com a Casa Hunter, que destaca histórias de pacientes com doenças raras. Em sua segunda temporada, que estreou na última quarta-feira, Déa é destaque de um dos episódios.
Acreditando ser apenas um cansaço emocional e físico, durante o Réveillon de 2020, Déa se viu impactada por mais um problema, ficando afônica e apenas conseguindo produzir sons nasais: “Eu procurei um otorrino e ele me medicou, mas nada melhorava”. Foi a partir desse momento que a então estudante de psicologia começou a ser afetada por maiores sintomas, chegando a afetar sua visão, e procurou por uma infinidade de médicos que conseguissem solucionar seu caso.
A luta por um diagnóstico
“O cansaço foi aumentando, e chegou a um ponto de eu estar em pé lavando louça e sentir uma fadiga gigante, como se eu tivesse corrido 15km”, revela. Com o aumento progressivo das ondas de cansaço e o surgimento de novos sintomas, a vida da mineira foi virada de cabeça para baixo, limitando as atividades básicas do dia a dia: “As coisas caiam das minhas mãos, eu não conseguia mais nem escrever. Mas, na minha cabeça, tudo continuava ligado a um cansaço físico e emocional”.
De médico otorrino até cardiologista, Déa recorreu a uma nutróloga próxima: “Ela era minha amiga, e contei tudo que estava sentindo, e perguntei: ‘o que faço?’ Ela disse que eu precisaria ir em um neurologista. Mas é um dos médicos que você nunca imagina. E ela também me indicou os exames que eu teria que pedir para ele me encaminhar”. Hesitante, a mineira seguiu para um neurologista, que a encaminhou para uma eletroneuromiografia e, assim que fez, ele notou alterações anormais.
No processo, Déa continua a apresentar maiores dificuldades em tarefas cotidianas, como se secar após o banho e carregar as sacolas com compras.
“No primeiro laudo, já deu que eu tinha miastenia gravis. Mas, a neurologista comentou que não era nada e o exame era apenas sugestivo”, relembra. Foi então que Déa se dedicou a investigar a miastenia e, percebeu que ela estava com os sintomas, decidindo procurar outro médico que estivesse disposto a ajudá-la: “Desse outro médico eu fui pra outro, e depois outro e depois outro. Mas a minha amiga era a única que insistia e acreditava em mim”, diz, entre gargalhadas.
Finalmente, Déa chegou até um neurologista especialista em doenças neuromusculares, e recebeu seu diagnóstico: “É um processo, foram alguns meses até eu conseguir chegar até um médico que fosse certo para o meu diagnóstico”.
O que é miastenia gravis?
“A miastenia gravis é uma doença autoimune que resulta do comprometimento da junção neuromuscular, e que tem como sintoma principal a fraqueza muscular”, explica a Dra Renata Andrade, neurologista e especialista em Doenças Neuromusculares pela Unifesp. A doutora ainda aponta que a doença pode ter como característica a fadiga, que atinge Déa até hoje: “É uma doença que piora com a repetição do movimento e, por isso, os sintomas podem flutuar ao longo do dia, e podem ser mais frequentes ao final do dia”.
Na grande maioria dos pacientes, os sintomas são parecidos com os de Déa: queda das pálpebras, visão dupla, quedas na face pela perda de pressão facial, mudança na articulação de palavras e fraqueza para mastigação. “Pode também haver mudança na voz, o que é notado quando os pacientes falam muito”, acrescenta Renata.
Com o diagnóstico, o funcionamento das atividades diárias – desde banhos até caminhadas – podem se ver rapidamente impactados pela fadiga: “A mortalidade associada à doença hoje é muito menor, mas alguns pacientes podem experimentar um quadro de crise miastênica, que resulta de um comprometimento da musculatura ventilatória, podendo evoluir a um quadro de insuficiência respiratória”.
Vivendo com o diagnóstico
“Ter o resultado foi um alívio. Ficar sem saber o que você tem e ir correndo de médico em médico… a cada dia que você passa aquela situação se torna cada vez mais presente, eu não conseguia nem abrir o olho – que é uma coisa tão simples. Ter a certeza foi a melhor coisa que aconteceu nos últimos quatro anos”, relembra Déa com um sorriso.
Para a mineira, a incerteza a abalou muito mais do que, de fato, descobrir que estava sendo acometida por uma doença rara: “Depois do diagnóstico, finalmente entramos com os medicamentos, como o corticóide e o neuroestimulador. Mas, a doença me fez prestar atenção em mim mesma, eu já consigo perceber quando vou fatigar e quando meu rosto não está respondendo, apesar de ainda não estar na medicação que ajuda 100%”.
Ela ainda conta que, apesar de inúmeras tentativas, jamais conseguiu voltar ao seu refúgio das corridas matinais, mas faz pilates para o reforço da musculatura. “Eu ainda costumo fazer algumas caminhadas com os meus cachorros, até porque eu treino eles e não podemos abrir mão desse momento. Nós precisamos disso, mas fico bem cansada”, explica.
Déa explica que, na sua rotina, ela faz o esforço de fazer suas atividades mais cansativas durante o período da manhã, para garantir que quando a fadiga chegar, ela possa deitar e ficar a sós.
À época do diagnóstico, Déa estava nos últimos semestres da Faculdade de Psicologia e em meio aos estágios obrigatórios, mas decidida a concluir sua tão merecida graduação: “Eu conversei com todos os meus professores e, a maioria foi muito compreensivo, e permitiu que eu fizesse as aulas e supervisões online. Foi muito desafiador terminar a faculdade”.
Porém, para a mineira, o mais difícil foi concluir as horas de estágio obrigatório, na área de psicologia hospitalar e clínica: “Tinha dias que eu estava ao lado do leito do paciente, e eu ficava rezando para poder sentar porque minhas pernas estavam queimando, mas era algo que eu adorava fazer. Eu queria estar lá”. Hoje, contudo, Déa comenta não conseguir exercer a profissão.
“Logo após eu me formar, em 2022, eu fiz uma cirurgia para conter os avanços da doença e, em decorrência dela, tive uma perda de 80% da audição”, explica.
Para ajudar os outros
Mas, em 2023, Déa e Betânia, paciente de miastenia gravis, organizaram o Primeiro Congresso Mineiro sobre Miastenia em Belo Horizonte: “As pessoas têm me procurado, e eu consigo passar algo da minha vivência junto da psicologia”.
“Eu sempre falo: ‘Meu diagnóstico não me define’, o que faço com ele é uma escolha minha e ele, definitivamente, não me paralisa. O muito que eu espero é que as pessoas sejam empáticas, mas se não forem, tudo bem, quem está de fora não sabe. As doenças raras não te limitam”, diz potente.
Hoje, Déa é estrela de um dos sete novos episódios da série documental da Globoplay e da Casa Hunter, Viver é Raro, que já está disponível na plataforma para não-assinantes. “Além de levar histórias de superação maravilhosas, é importante para que as pessoas saibam que existe vida”, finaliza.
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