830 mulheres morrem todo dia no mundo por causas evitáveis na gestação
Mães e especialistas pedem mais assistência no momento da gravidez e partos mais humanitários
“Eu tinha 17 anos. Mesmo sendo menor de idade não deixavam eu entrar na sala acompanhada, nunca! Ia com meu namorado, minha sogra ou minha mãe e todos eram barrados no consultório. Muitas dúvidas que possuía não eram esclarecidas, me tratavam mal, me ofendiam, ficavam sempre falando que eu não deveria estar grávida e coisas afins… Pouquíssimas vezes os médicos olhavam com empatia e realmente queriam saber como eu estava”, relata Mônica da Silva D’Avila, autônoma e mãe do Noah D’Avila Victoria, de 4 anos.
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Histórias como a da porto-alegrense são mais comuns do que imaginamos e algumas situações ainda piores podem acabar em mortes tanto para o lado materno quanto para criança que está prestes a vir ao mundo. A Organização Mundial da Saúde (ONU) estipula que todos os dias, no mundo, 830 mulheres morrem por causas evitáveis relacionadas à gravidez e ao parto. A cada ano, 2,5 milhões de bebês morrem logo após nascer.
A ONU ainda enfatiza que as causas das mortes são hemorragias, infecções, abortos inseguros, eclampsia – convulsões durante a gestação ou puerpério – e parto distócico – quando existe dificuldade na passagem da criança pela bacia. Essas situações são responsáveis por mais de 70% das mortes de mães em 2021.
Já no Brasil, a cada 100 mil bebês nascidos vivos, acontecem cerca de 60 óbitos maternos, como informa o Ministério da Saúde. É o dobro da meta de 30 óbitos por dia a cada 100 mil crianças recém-nascidas definida até 2030, pelo país junto à Organização das Nações Unidas.
O país é o 10º colocado no ranking mundial da prematuridade, com 300 mil nascimentos prematuros registrados em 2019. O quadro ainda piora por causa da pandemia: 38 óbitos maternos por Covid-19 foram registrados a cada semana no Brasil durante o decorrer deste ano, como diz o Observatório Obstétrico Brasileiro.
Atitudes simples podem salvar vidas
“O pré-natal é essencial para diagnóstico das doenças que a mulher já tem ou das que aparecem durante a gestação como a pré-eclâmpsia, que é um tipo de hipertensão que acontece durante a gestação e que é a principal causa de morte materna no Brasil. É durante esse acompanhamento que se tem a oportunidade de identificar condições de risco e prevenir complicações para a mãe e o bebê”, destaca a doutora Rossana Pulcineli Francisco, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo e integrante da Aliança Nacional para o Parto Seguro e Respeitoso.
Rossana também fala sobre a dificuldade de acesso ao parto seguro e humanitário em comunidades carentes. “Este é um grande desafio, especialmente quando falamos do Brasil onde há tanta diversidade em relação ao acesso à saúde como, por exemplo, populações ribeirinhas. Muito desta assistência hoje é prestada pelas unidades básicas de saúde, mas o acesso destas populações ao pré-natal mas especialmente ao sistema hospitalar ainda precisa de grande atenção”, informa.
Além do acompanhamento de uma junta médica, de acordo com a especialista também é necessário estar atenta para:
- Aumento da pressão arterial que é comumente associada a edemas – que são inchaços nas pernas, mãos e face.
- Crescimento no ganho de peso de forma rápida e dores de cabeça.
- Febre, dores abdominais ou em cicatrizes do parto ou cesariana.
- Casos de sangramentos devem ser analisados sempre com uma junta médica.
A especialista ainda destaca que o parto seguro e humanizado só é garantido quando se tem uma assistência completa. “O que garante a segurança de uma gestação e parto é uma atenção à saúde qualificada: acesso a um pré-natal de qualidade, hospitais de acordo com a complexidade de sua gestação, transporte entre as unidades hospitalares, acesso a Unidades de Terapia Intensiva (UTI) para mulheres e seus bebês. Ou seja, uma assistência à saúde ampla e eficiente”, explica.
Situação ainda mais agravante para mulheres negras
De acordo com os dados da MS, 2020, em 2018, 65% dos óbitos maternos ocorreram com mulheres pardas e negras. O que mostra que mulheres negras e pardas ainda sofrem por conta da cor e são colocadas em situações ainda mais vulneráveis no quesito atendimento médico completo durante a gravidez.
Cecília Izidoro, enfermeira, orientadora da Liga Acadêmica de Enfermagem em Saúde da População Negra, explica por que mulheres negras podem ser ainda mais atingidas quando a questão é morte na gestação ou parto por falta de assistência médica.
“Mulheres negras representam o maior número neste dado por serem o maior alvo de vulnerabilidade no nosso país. Elas ainda compõem o maior número de mulheres brasileiras, de acordo com os dados do IBGE de 2011. As marcas da escravidão que durou quase 340 anos, ainda são difíceis de tirar desses papeis que estão impressos na sociedade brasileira”, diz.” Então quando essa figura feminina vai atrás de recursos de apoio para sua gravidez provavelmente terá mais barreiras para ter acesso ao pré-natal e atendimento ginecológico. Ela peregrina para conseguir vaga em uma maternidade e quando consegue na hora de dar a luz ainda é vítima de ataques racistas. Um momento que era para ser lindo se tornar desesperador”, afirma.
Ainda temos histórias boas para contar?
Laura Silva, 34, mãe da Helena de 4 anos e da Marina de 5, é um exemplo de que sim! É possível garantir assistência médica humanitária e segura para mulheres. As duas gestações da fisioterapeuta e acadêmica de enfermagem foram de risco, mas o acompanhamento da junta médica foi ainda maior na segunda gestação.
“Eu ganhei minhas duas filhas, no Hospital das Clínicas de Porto-Alegre, passei dificuldades nas duas gestações, mas obtive assistência médica em ambas. Na minha última gravidez junto com a equipe de hematologia descobri que possuía uma deficiência no ferro e que tenho um traço de talassemia, que é uma condição genética que faz parte de um grupo de doenças do sangue chamadas hemoglobinopatias”, conta. “Minha filha nasceu e por esse histórico que tenho e os exames dela mostrarem algumas alterações ela ficou trinta dias internada para a gente saber se estava tudo bem com ela. Fizeram uma biópsia no fígado e não acharam nada, uma cultura genética que foi mandada para os EUA, tudo isso pelo nosso Sistema Único de Saúde (SUS).”
Aos 4 anos, Helena ainda segue o acompanhamento médico no ambulatório do Hospital das Clínicas a cada três meses. Normalmente crianças passam por esse processo por até dois anos, mas devido à crise da Covid-19, se estendeu um pouco mais o acompanhamento, de acordo com Laura a previsão é que esse ano seja o último desse tipo de assistência.