O que eu faço com a minha compulsão alimentar?
Depois de tentar todas as dietas possíveis e até medicamentos para emagrecer, conversei com quatro especialistas para entender minha turbulenta relação com a comida. Será que tem solução?
Como quase todas as mulheres que conheço, nunca estive satisfeita com a balança. Fui uma criança acima do peso que adorava comer. Desde a adolescência, tentei de tudo para emagrecer e achar meios de melhorar a autoestima. Fiz academia e natação, fui a diversos nutricionistas e experimentei toda dieta da moda. Já contei calorias e tomei remédios. Algumas tentativas até davam resultado, mas, em pouco tempo, eu voltava ao peso original – o que é desanimador. Por causa disso, sempre vivi o drama do efeito sanfona: já fui magra, gordinha e muito acima do peso. Atribuo essa dificuldade principalmente à minha relação (de amor) com a comida. Adoro restaurantes, valorizo refeições saborosas e tenho a tendência de descontar os sentimentos em delícias da cozinha.
Quando estou triste, descarrego a angústia nos meus pratos preferidos. E aí como sem parar. Se estou mais estabilizada emocionalmente, consigo me privar dos prazeres da mesa em prol da saúde. Mas basta algo sair do controle para eu me ver em situações de compulsão. Ou algo próximo disso. A primeira vez que associei meu problema a um distúrbio alimentar foi em 2010, aos 19 anos, quando saí de um relacionamento abusivo e fiquei muito deprimida. Era chocante: eu acabava de jantar e comia um pacote de bolacha. Minha família começou a se preocupar. O mesmo aconteceu com o álcool: como válvula de escape, bebia todos os dias. Em seis meses, ganhei 10 quilos. Hoje consigo me controlar bem durante a semana, comendo em casa, de forma regrada. Só que faço isso pensando no “prêmio”: liberar as tentações nos fins de semana.
O problema é que, nesses dias, não raro como até passar mal. Cheguei a devorar três pratos de estrogonofe, uma das minhas receitas favoritas, até a barriga doer e não conseguir respirar direito. Mesmo assim, não parei – estava bom, me dava prazer. Quando percebo o exagero, me sinto culpada – o que não me impede de fazer de novo. Sempre quis entender os motivos e melhorar minha relação com a comida. Seria isso compulsão? Ou só gostar muito de comer? Para tentar resolver esse assunto de uma vez, conversei com quatro especialistas diferentes que deram seus diagnósticos e recomendações. Veja, a seguir, o que eu descobri.
ENDOCRINOLOGISTA: Alessandra Rascovski
Essa foi uma das consultas mais completas da bateria. A médica quis saber como era meu humor, ciclo menstrual, método anticoncepcional, minha rotina, relação com a comida, atividade física e vida social. Tudo isso pode ajudar a entender e diagnosticar o problema. Após analisar os exames de sangue, falar sobre a influência dos hormônios no corpo e entender meus hábitos, recomendou três fórmulas manipuladas que atuam como coadjuvantes da reeducação alimentar: uma que diminui a absorção da gordura das refeições, outra para controlar a ansiedade – uma das grandes causas da compulsão – e probióticos, para regular o intestino.
Ela me explicou que o desequilíbrio nas taxas de cortisol (o hormônio do stress) e a resistência insulínica geram episódios de compulsão. Para isso, sugeriu remédios que atuassem diretamente nessas disfunções. Alertou também que atitudes como comer até passar mal, atacar um pacote de bolacha após o jantar e estar acima do peso são indicativos de um distúrbio, mas que eu não me enquadrava em uma compulsão grave. Mesmo assim, precisava de tratamento. E ela me garantiu que ele seria capaz de melhorar minha vida em muitos aspectos. Acreditei.
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PSICÓLOGA: Saskia Saccomanno
Achei muito legal uma sessão de terapia com o foco na questão alimentar. Já frequentava uma psicóloga, mas esse nunca fora o assunto principal. Ao colocá-lo como prioridade, pude perceber como é uma questão forte para mim. Depois de contar um pouco sobre minha relação com a comida, oscilações de peso e a percepção que tenho sobre meu corpo, a especialista identificou um quadro de compulsão alimentar. Segundo ela, o principal indicativo são as amarras emocionais desse descontrole, pois, mesmo pontuais, revelam compulsão.
É claro que, em apenas uma sessão, não seria possível identificar todo o problema – muito menos saná-lo. Mas Saccomano assegurou que, no meu caso, a terapia seria fundamental no tratamento, assim como o acompanhamento médico e nutricional. Isso porque meus descontroles são provenientes de crises de ansiedade e tristeza. Para não descontar na comida, preciso achar outras maneiras de amenizar esses sentimentos. Nas sessões, eu poderia desenvolver ainda o autoconhecimento, essencial para racionalizar o ato de comer desesperadamente. Percebi, durante nossa conversa, que, diferentemente do que acreditava, não paro para pensar quando estou comendo demais.
COACH DE SAÚDE: Daniela Cyrulin
Não sabia o que esperar quando marquei uma consulta com uma coach para falar sobre meu problema. Assim como os outros profissionais, Daniela analisou alguns exames que levei e perguntou sobre meus hábitos alimentares. Após muita conversa, ela disse que meu quadro não se encaixa em uma compulsão grave por alguns motivos básicos: não como qualquer coisa aos montes – prefiro sempre comidas específicas, que são as minhas preferidas (principalmente salgados). Além disso, meus acessos de descontrole, hoje em dia, ocorrem em determinadas situações. Em uma compulsão mais séria, eles são cegos e mais frequentes.
Como, no meu caso, se trata de episódios pontuais, eu poderia contornar essas situações de maneira prática – e foram justamente as dicas que ela me deu para amenizar os ataques desenfreados o que mais gostei. Exemplos: anotar tudo que como em um caderninho para aumentar a percepção; traçar metas e ter em mente o que quero para mim daqui a um ano e o que preciso fazer para chegar lá; em restaurantes, meu ponto fraco, começar com um prato caprichado de salada, com grande variação de ingredientes. Comer devagar, mastigando muito bem os alimentos, seria outro desafio com grandes resultados. Além disso, Cyrulin recomendou esperar pelo menos 20 minutos entre um prato e outro – tempo suficiente para sentir satisfação. Assim, os riscos de repetir e comer mais que o necessário diminuem. Para cuidar da minha ansiedade, ela sugeriu ainda atividades que proporcionassem foco e relaxamento, como meditação e acupuntura. Já comecei e estou amando!
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NUTRICIONISTA: Guilherme Corradi
Para Corradi, como os quadros de compulsão ocorrem, em média, uma vez por semana, eu apresento, sim, sinais significativos do problema. A diferença é que minha desordem é causada por gatilhos específicos. Durante a semana, enquanto sigo a dieta de forma regrada, consigo me manter na linha. Porém, basta chegar o fim de semana para o descontrole acontecer. Segundo ele, os picos de insulina causados por carboidratos simples ou açúcares acabam desencadeando esses episódios de compulsão, geralmente quando me permito sair da rotina.
Se o alimento é absorvido muito rapidamente (pães, doces, massas e arroz branco, por exemplo), ele libera grande quantidade de insulina no sangue, que logo depois cai (o tal pico), fazendo com que o corpo sinta necessidade de comer mais e depressa. A recomendação dele é de que eu comece com uma dieta de choque para tirar o organismo da inércia e me motivar. O ideal, no início, é seguir um cardápio com pouco carboidrato, inclusive nos fins de semana, mas com bastante proteína (garantem saciedade) e, acredite, gordura. As boas (provenientes de castanhas, abacate e azeite de oliva) ajudam a diminuir os picos de insulina. Acho que o maior desafio vai ser cortar totalmente a bebida alcoólica (pela questão social). Mas acredito que essa dieta pode me deixar mais motivada, pelas perdas rápidas. Vale a tentativa!
AFINAL, O QUE É COMPULSÃO?
Depois de visitar os quatro profissionais, ficou muito mais fácil perceber meu problema. Entendi, pelo diagnóstico de todos eles, que minha relação com a comida é disfuncional, mas não chega a ser grave. Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, uma referência na psicologia, a compulsão alimentar pode ser entendida em quatro níveis de gravidade: leve (quando há, em média, de um a três episódios de descontrole por semana), moderada (média de quatro a seis episódios por semana), grave (de oito a 13) e extrema (14 ou mais). Vale lembrar que esse é apenas um dos “medidores”, já que o diagnóstico, complexo, deve ser feito por profissionais, levando em conta vários aspectos.
Algumas atitudes – como alimentar-se rapidamente e até sentir-se cheia, comer mesmo sem estar com fome, isolar-se durante as refeições por vergonha da quantidade no prato e sentir depressão ou culpa excessiva após os “ataques” – também ajudam a chegar ao diagnóstico correto. No meu caso, todos os especialistas concordam que há um descontrole excessivo com compulsão leve e que o melhor tratamento seria o multidisciplinar, com foco em autocontrole e racionalização das minhas atitudes. Parar e pensar é o primeiro passo. Encontrar a dieta ideal para meu corpo, aquela a que ele responde bem, é essencial para evitar frustrações.
Eu descobri, por exemplo, que o plano que eu vinha seguindo, de me controlar nos dias úteis e comer à vontade no fim de semana, não é o melhor para mim e que, diferentemente do que eu pensava, a restrição, seguida da liberação, pode gerar ainda mais compulsão. Conversar com os quatro profissionais foi fundamental para começar a entender o problema que me acompanha há tantos anos. Todo esse amparo psicológico, nutricional, médico e de coaching me trouxe novo ânimo. Já se passaram duas semanas das consultas e não tive nenhum descontrole significativo nem comi mais do que deveria. Acho que agora vai!