Uma rotina desanimadora que uma jovem médica decidiu que iria mudar: assim começou, em meados dos anos 90, a história do projeto Saúde Criança. Atuando na pediatria do Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, Vera Cordeiro era esta médica, que assistia dia após dia o que parecia um mesmo filme. Crianças eram internadas com doenças crônicas. Depois de tratadas, recebiam alta, mas muitas delas não tardavam a retornar ao hospital. Algumas vezes em condições iguais às anteriores ao tratamento, em outras com um quadro bem pior. E não eram poucos os casos que chegavam a óbito.
Para entender este ciclo, Vera deixou as fronteiras do hospital para, por conta própria, conhecer a realidade dessas crianças, seus lares, suas famílias. O atendimento médico, logo percebeu, era apenas parte do que precisavam. A maioria de seus pacientes vinha de uma comunidade muito pobre, sem acesso a condições básicas de higiene, alimentação e moradia. E por isso a doença crônica da criança só era controlada enquanto ela estava no hospital. Diante desse cenário, o Saúde Criança começou a ganhar forma. Não somente como iniciativa em prol da saúde, mas como uma ação de inclusão social.
Leia mais: A polêmica decisão de não vacinar crianças divide opiniões
Quem cuida do cuidador?
A instituição teve um início informal, movido pela força do voluntariado, sem metodologia fixa. Porém, o bem-estar da criança sempre foi apenas o ponto de partida. Era preciso cuidar também da família e dos cuidadores do menor, atendendo necessidades imediatas de todos eles. O que começou a ser feito por meio de uma dinâmica de apadrinhamento por parte dos voluntários.
A nutricionista Cristiana Velloso foi uma das voluntárias a abraçar a causa de Vera como madrinha de uma família, há cerca de 20 anos. Chegou levada por uma amiga. Quando começou a enxergar a instituição como um todo, quis fazer muito mais. Investiu em sua formação, buscou pós-graduações em responsabilidade social, terceiro setor e gestão de projetos. Enquanto o projeto ganhava força e metodologia, Cristiana se tornou coordenadora, depois gerente operacional e, desde 2014, atua como CEO do Saúde Criança.
“Considero que o que fazemos é mais que ajudar famílias. Nós transformamos vidas”, conta Cristiana, ao falar sobre o escopo atual da iniciativa, que nasceu no Rio de Janeiro, onde conta com quatro unidades licenciadas, e hoje está também em Porto Alegre e Belo Horizonte. A profissionalização, diz ela, foi acontecendo conforme os apoiadores institucionais foram chegando. “Eles são imprescindíveis, pois alguns doam verba, mas muitos nos ajudam de outras diversas formas. Temos quem ofereça consultoria, consultas e até doação de medicamentos e materiais para a formação dos familiares das crianças e na inserção deles no mercado de trabalho”, explica.
Leia mais: Câncer infantil cresce 13% nas últimas duas décadas, aponta OMS
Vidas transformadas
A matriz do projeto no Rio de Janeiro auxilia mensalmente 250 famílias, o que significa quase mil pessoas atendidas por uma equipe multidisciplinar, para garantir atuação em todas as esferas necessárias. “Contando todas as unidades, incluindo as que atuam com metodologia inspirada no projeto, mas com nomes diferentes, podemos dizer que mais de 70 mil vidas foram transformadas”, afirma a CEO. Cada uma das famílias, segundo ela, “só é liberada do programa quando toda a equipe multidisciplinar está de acordo”. Caso contrário, são assistidas até todas as questões em que têm carência forem trabalhadas.
Os resultados alcançados pelo Saúde Criança são reconhecidos internacionalmente. Porém, a organização ainda enfrenta grandes desafios. Não ficou imune, por exemplo, ao aumento da desigualdade decorrente dos cenários econômicos e políticos do Brasil nos últimos anos. “Cresceu a dificuldade de acesso das famílias à área de saúde, em procedimentos básicos como consultas com especialistas, exames, cirurgias comprovadamente necessárias e até corte de medicamentos antes fornecidos pelo governo”, lembra Cristiana. Outro problema, de acordo com ela, é a captação de recursos. Com a crise, ficou mais complicado conseguir apoio financeiro e isso impactou muito o Saúde Criança. “No ano passado, gastamos mais do que captamos e o quadro para este ano não dá indícios de melhora.”
O cenário delicado não desanima Cristiana, Vera e toda a rede do Saúde Criança, que ainda espera que mais empresas e organizações percebam a amplitude com que deve ser tratado o tema da saúde pública no País.
*Neste Dia da Mulher, CLAUDIA participa da ação internacional Women in Businesses For Good, da iniciativa social Sparknews, que visa
revelar inovações impactantes criadas por mulheres e seu potencial de ampliação ou replicação em outros países. #WB4G