Te proponho um encontro com as amigas para falar sobre dinheiro. Se você sentiu que o clima pesou com essa ideia direta, pressuponho que precise lidar, internamente e junto a elas, com um tabu. Seriam traumas? Crenças limitantes? Vergonha de expor a escassez ou até a abundância? A desconfiança em revelar segredos? Ui, segredos!
Sim, precisamos contestar o que parece ser natural, aquilo que pode ser uma consequência estrutural. No caso, o que você faz com o seu dinheiro ou com a falta dele. É menos sobre quantidade e mais sobre o seu comportamento em relação à sua situação financeira.
Eu participo de um grupo de leitura batizado de “Mulheres que leem com bolo”, uma brincadeira, um tanto irônica, com o livro Mulheres que Correm com Lobos, de Clarissa Pinkola Estés. Nunca vi uma fatia sequer.
Ops, mentira minha. Uma vez uma amiga levou um bolo, sim, de padaria chique, de cenoura com cobertura de chocolate. É o meu preferido. Voltou com ele intacto. Era menos sobre açúcar e mais sobre uvas, para brincar com a frase séria do parágrafo anterior.
Com vinho e petisquinhos, a conversa rende noite adentro. Na mesa, falamos sobre o livro do mês, mas muitas outras coisas, do excesso do tempo de tela do filho ao sexo, em dois segundos. Quanto mais falamos, mais temos referências, mais aprendemos.
Quanto mais tarde da noite, ou, arrisco dizer, quanto mais tempo de conversa com presença e atenção independentemente do horário, mais “segredos”. Ménage? Oi? Entre uma revelação aqui e outra ali, qualquer assunto ganha a mesma naturalidade.
Volto agora à questão chave: por que não um papo aberto e honesto sobre dinheiro? Na noite em que nos encontramos para debater o livro Tudo Sobre o Amor: Novas Perspectivas, da bell hooks, falamos sobre o letramento de gênero, o de raça e também sobre o de amor. Amor não seria uma boa matéria para fazer parte da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)? Ter educação financeira no currículo me parece mais óbvio ainda.
O que é letramento financeiro?
Letramento é uma palavra que muito se fala hoje (ainda bem!). Portanto, introduzo aqui mais uma derivação: letramento financeiro ou, como alguns preferem dizer, literacia financeira.
E uso os temas dos títulos da obra de hooks para inspirar abordagens quando a pauta central for dinheiro: clareza, justiça, honestidade, compromisso, espiritualidade, valores, ganância, comunidade, reciprocidade, romance, perda, cura e destino.
Se vivemos em uma sociedade em que a cultura do poder e do consumo também encoraja mentiras e omissões, a prática de abrir o coração e debater essas relações pode ser revolucionária!
Para exemplificar, a fundação norte-americana Allstate criou um programa chamado The Purple Purse, que ajuda vítimas de violência doméstica por meio do empoderamento financeiro. A instituição estima que em 99% dos casos, a dependência financeira mantém vítimas presas ao relacionamento.
Nomearam, então, o abuso financeiro como “arma invisível”, pois deixa cicatrizes emocionais: desesperança, culpa, vergonha, depressão, falta de confiança e de autoestima. Também apontaram que é invisível porque não se fala sobre dinheiro no país, 66% dos estadunidenses seriam analfabetos financeiros, em outras palavras, não têm conhecimento para tomar decisões conscientes, o que inclui tópicos como planejamento familiar, orçamento, dívidas, investimentos e hábitos saudáveis.
As redes sociais estão recheadas de histórias de celebridades, atletas e pessoas comuns que confiaram na família, amigos ou outros para cuidar de seu dinheiro e acabaram falidos, pobres e traídos. Herança, divórcio, quebra de sociedade, doença, cuidado com os filhos e com os pais…
As tretas podem ser muitas, assim como sonhos, projetos de carreira, viagens e mudanças. São as mais diversas histórias sobre dinheiro e elas podem ser contadas em rodas de amigas, seja com bolo ou vinho.