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A difícil luta de três casais para adotarem seus filhos

Há mais casais interessados em adotar do que crianças disponíveis e os esforços para agilizar a adoção acontecem em todas as esferas: dos juristas aos pais

Por Iracy Paulina
25 Maio 2017, 17h03
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  • Wagner e Grazyelle Yamuto, respectivamente gerente de operações e infraestrutura e administradora, costumam brincar que a gestação do primeiro filho, Gabriel, durou quatro anos. “Foram nove meses de processo burocrático e o restante de espera”, conta o pai. O casal iniciou o processo em 2006, e Gabriel, hoje com 8 anos, chegou só em 2010. “Na época, o acesso a informações sobre o tema era difícil”, diz Wagner, que criou o site adocaobrasil.com.br para trocar experiências com outras pessoas na mesma situação. Atualmente, eles estão de volta à fila do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Agora, procuram uma menina de até 4 anos. Fizeram um curso na vara da infância em que tramita o processo e mais quatro no Gaia, um grupo de apoio em Embu das Artes (São Paulo).

    O CNA foi criado em 2009, quando entrou em vigor a Lei de Adoção. É considerado um dos passos decisivos na tentativa de abreviar a fila de crianças à espera de um novo lar e a de famílias dispostas a recebê-las. No entanto, basta uma olhada nos números de hoje para ver que pouca coisa mudou: há 37 mil pretendentes habilitados entre os interessados e 4 755 crianças e adolescentes disponíveis para adoção. Novas tentativas de resolver essa equação estão em curso.

    Em outubro último, a Corregedoria Nacional de Justiça criou um grupo de trabalho formado por juízes da infância e juventude de diversos estados, cuja missão é encontrar soluções para reclamações que chegavam até o órgão, especialmente pela Ouvidoria. “Muitas eram sobre o fato de os cadastros da área de infância estarem defasados e incompletos, incapazes de prover os juízes e operadores do sistema de segurança para tomar decisões”, explica a juíza auxiliar da Corregedoria Sandra Silvestre. Depois de um levantamento inicial, o grupo começou em abril, pelo Nordeste, uma série de encontros e workshops para debater mudanças que, efetivamente, tornem o processo mais ágil e eficaz.

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    Em outra iniciativa, no começo deste ano, o Ministério da Justiça e Cidadania formulou um anteprojeto que pretende encaminhar ao Congresso Nacional propondo mudanças na Lei da Adoção e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Para consolidar as propostas, fizemos uma consulta pública pelo site do ministério, que recebeu cerca de 1,2 mil comentários”, explica Clarice Gomes, diretora do Departamento de Processos Legislativos do Ministério da Justiça.

    O anteprojeto aborda três pontos principais. Em um deles, detalha e normatiza a entrega voluntária do filho pela mãe, logo depois do nascimento, uma possibilidade já prevista pelo ECA de forma sucinta.

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    Outro regulamenta os programas de apadrinhamento afetivo, uma boa prática que visa atender as crianças mais velhas, que têm poucas chances de adoção.

    Um terceiro procura estabelecer processos e prazos para a adoção. O único limite de tempo presente em lei atualmente determina que a criança deve ficar em abrigo apenas dois anos antes da destituição do poder familiar. A cada seis meses, uma equipe multidisciplinar, composta de psicólogos e assistentes sociais, tem de avaliar o caso para verificar se as condições que a levaram ao abrigo estão sanadas e se há possibilidade de seu regresso à família de origem. Caso contrário, o juiz deve encaminhá-la para um lar adotivo. Mas, já na época de entrada em vigor da Lei da Adoção, havia críticas quanto ao cumprimento desse prazo, pois a legislação deixa brechas para que ele seja protelado.

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    O processo de adoção de Gabriel demorou quatro anos, o que levou Wagner e Grazyelle Yamuto a criarem um site para trocar experiências com casais na mesma situação (Julia Rodrigues/CLAUDIA)

    Obstáculos persistentes

    Esse descompasso aparece nas histórias de famílias que buscam adoção e se deparam com quadros diversos em diferentes regiões do País. Em São Paulo, o professor universitário e psicólogo Luciano Gamez e seu companheiro, o advogado Max Alexandre Leal Costa, passaram por um percurso longo para conseguir a guarda definitiva de Artur, que chegou até eles ainda bebê e hoje tem 6 anos.

    Foram três anos de guarda provisória, já preestabelecidos na sentença do juiz que encaminhou o menino para o casal, em 2010. “Como ainda não era a adoção definitiva, não consegui nem tirar uma licença maior quando ele chegou, apenas uma semana combinada com meu chefe”, conta Luciano.

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    Durante esse período, teoricamente, eles deveriam receber visitas da equipe técnica para avaliar a adaptação de Artur à família. “Mas nunca veio ninguém. Quando o prazo estava expirando, tivemos que retornar ao juiz para obter a guarda definitiva”, diz Max. “Essa morosidade é maior em locais como São Paulo porque o Juizado tem um volume muito grande de processos”, avalia o advogado.

    Também de São Paulo, a empresária Sandra Cabral foi habilitada em 2013 e ficou dois anos aguardando o chamado do fórum. “Quando fui reclamar da demora, a assistente social disse que provavelmente eu teria mais dois anos de espera. Como tenho família no Paraná, peguei minha ficha e comecei uma busca por lá”, conta ela.

    Foi assim que Bruno, com 4 anos, entrou para a família em 2015. “A atuação do juiz e da equipe técnica da vara do Paraná foi exemplar e muito atenciosa, bem diferente do atendimento que tive em São Paulo”, compara Sandra, que acabou criando uma ONG, o Instituto Geração Amanhã (IGA), para auxiliar outras famílias com informações sobre o tema.

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    A proposta do anteprojeto do Ministério da Justiça é que o percurso desde a guarda provisória (estágio de convivência) até a definitiva (com emissão da certidão de nascimento da criança em nome dos pais adotivos) não ultrapasse oito meses.

    Para a jornalista Ana Davini, que aborda a morosidade dos processos de adoção no livro Te Amo até a Lua, a questão é saber se o ministério criará condições para que esse prazo seja atendido. Ela comprovou as dificuldades na prática e não apenas em suas pesquisas para o livro.

    Ana e o marido levaram nove meses para conseguir a habilitação em uma vara da capital paulista, em 2012, e esperaram mais um ano até conseguirem adotar Thalita, de 4 anos. Nesse intervalo, ela procurou outras comarcas do interior para ver se havia crianças dentro do perfil que buscavam, que era flexível. “Notei que o Cadastro Nacional não existia de fato – não havia uma integração de informações entre as comarcas do país”, conta.

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    Luciano Gamez e Max Alexandre Leal Costa enfrentaram a morosidade da Justiça até obter a guarda definitiva de Artur (Julia Rodrigues/CLAUDIA)

    Tímidos Avanços

    Se por um lado a estrutura ainda é uma barreira, por outro a Lei da Adoção está promovendo uma mudança, ainda que lenta, na expectativa dos candidatos em relação ao perfil idealizado do filho que procuram. “Antes, a maioria dos habilitados queria crianças de até 3 anos. Essa idade de corte passou para 6”, aponta o desembargador Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, vice-coordenador da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo. A maior parte dos candidatos habilitados no Cadastro Nacional aceita crianças com idade até 1 (16,49%), 2 (18,05%), 3 (20,15%), 4 (14,79%), 5 (13,69%) e 6 anos (8,07%).

    Apenas 8,46% se mostram dispostos a adotar na faixa etária entre 7 e 16 anos – justamente a que concentra a maior parte das crianças abrigadas à espera de um novo lar (80,91%). O casal João Sampaio Junior, coordenador de saúde ocupacional, e Elisangela Correia Sampaio, técnica em segurança, faz parte dessa minoria. Habilitados em julho de 2012, em setembro do ano seguinte tiveram o primeiro contato com Victor Miguel, em um abrigo designado pelo fórum, em São Paulo. Na época, o garoto tinha quase 8 anos. Um mês depois, eles o levaram para casa.

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    Durante todo o processo, João e Elisangela participaram de 12 reuniões na Universidade Mackenzie, que mantém um grupo de psicólogos para orientar sobre adoção. Passaram também por entrevistas com técnicos e uma com o promotor, além de receberem a visita de uma equipe que avalia as condições da casa. No fim de 2013, João e Elisangela entraram com o pedido para nova habilitação e, em julho de 2016, o casal de gêmeos, Rafael e Camila, de 2 anos, ingressou na família, com a guarda definitiva.

    Segundo o desembargador, o curso preparatório para adoção, que passou a ser obrigatório no processo, tem um papel fundamental nessa mudança de expectativa – os candidatos são estimulados a adotar dentro dos perfis menos procurados (crianças mais velhas, negras, pardas ou com necessidades especiais de saúde, por exemplo) e têm a oportunidade de desfazer mitos, como inclinação genética para drogas.

    Outra contribuição importante nesse sentido é a atuação cada vez mais marcante dos grupos de apoio à adoção. “Em geral, os habilitandos passam por uma formação de 4 a 12 horas. Como as equipes técnicas das comarcas têm dificuldade de atender à demanda, entramos em campo para ajudar ministrando essas aulas”, explica a psicopedagoga Fátima Rocha, secretária da Associação de Grupos de Adoção do Estado de São Paulo (Agaaesp) e presidente do Gaia.

    No Brasil, existem mais de 150 dessas associações em atuação, 45 delas só em São Paulo. “Muitos dos voluntários desses grupos já adotaram, então oferecem uma oportunidade rica de troca de experiências”, diz Rocha, mãe adotiva de Yasmin, 4 anos.

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    Depois de passar por cinco tentativas de fertilização in vitro, Christina Vidal, dona de uma empresa de consultoria em idiomas de São Paulo, e o marido, o gerente de vendas Jorge Vidal, resolveram partir para a adoção, em 2008. Foram três anos na fila até a chegada de Mathias, hoje com 7 anos. “Durante esse tempo, participamos de diversos encontros em grupos de apoio à adoção, em que ouvir as experiências de famílias que já haviam passado pelo processo ajudou a aguentar a espera”, conta Christina.

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    No fim de 2010, a assistente social os chamou ao fórum para oferecer uma criança que passara oito meses hospitalizada e tinha crises de convulsão. “Não tínhamos estrutura para assumir um bebê assim e recusamos, morrendo de medo de voltar para o fim da fila”, conta ela. O temor não se confirmou.

    Em fevereiro do ano seguinte, eles foram chamados novamente para conhecer o caso de Mathias, então com 1 ano e 2 meses. A aproximação com ele no abrigo foi complicada. O menino chorava muito quando via Christina e Jorge. “Somente no quarto encontro, quando já estávamos pensando em desistir, ele aceitou ir no colo do meu marido e não chorou mais”, relata Christina. A adaptação na casa do casal foi tranquila e em três meses estavam com a guarda definitiva e o novo registro da criança em nome deles.

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    Christina e Jorge Vidal aguardaram três anos pela chegada de Mathias: “Já estávamos pensando em desistir” (Julia Rodrigues/CLAUDIA)

    Busca ativa

    Os grupos de apoio atuam também na chamada busca ativa, como é o caso do Ana Gonzaga, do Rio de Janeiro. “Fazemos a ponte entre adotantes e crianças e adolescentes que não cabem no perfil idealizado pela maioria dos habilitados a adotar. São conhecidas como crianças de adoção necessária, como as mais velhas, as portadoras de HIV e outras patologias, grupos de irmãos, entre outras características”, diz a coordenadora, Silvana do Monte Moreira.

    A organização possui três unidades no Rio, que atendem presencialmente, além de manter uma página no Facebook com mais de 13 mil seguidores e listas de WhatsApp e e-mails. “Realizamos mais de 100 pontes por mês”, aponta Moreira.

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    Foi graças a uma dessas intermediações que M.J., uma menina de 11 anos que vivia em um abrigo em Mato Grosso do Sul, encontrou as mães adotivas Margarida Moutinho, massoterapeuta, e Inah Garritano, consultora de TI.

    Todo o processo teve início em agosto de 2015, quando as duas companheiras fizeram o Curso Reflexivo com o grupo Quintal de Ana, em Niterói, no Rio de Janeiro. Vencidos todos os trâmites exigidos pela Justiça, em janeiro de 2016 estavam habilitadas. Nesse ínterim, frequentaram alguns abrigos e perceberam que se identificavam mais com as crianças maiores. “Conhecemos M.J., na ocasião com 10 anos. Gostamos muito dela e alteramos o perfil para uma menina de 11 anos”, conta Margarida.

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    Como estavam em estados diferentes, a adaptação foi via Skype. Primeiramente o contato era semanal, passou a ser duas vezes por semana e depois diário. As futuras mães de M.J. foram acompanhadas de perto pela equipe técnica de uma vara da infância de Mato Grosso do Sul e até hoje recebem suporte dos profissionais de lá. Ainda estão com a guarda temporária, fase em que são acompanhadas por uma equipe técnica de São Gonçalo (RJ), que dará o parecer para a guarda definitiva. Mas a história de M.J. tem grandes chances de ganhar um final mais feliz.

    Padrinhos do coração

    A ideia é simples e tem sido replicada em diversas cidades brasileiras. O apadrinhamento afetivo foi pensado como a possibilidade de oferecer a crianças e adolescentes praticamente sem chance de adoção a oportunidade de vivenciarem um vínculo verdadeiro e duradouro, fora do abrigo, que permitisse a convivência comunitária.

    Na capital paulista, a iniciativa foi criada pela então titular da Vara Central da Infância e Juventude de São Paulo, a juíza Dora Aparecida Martins – que por esse trabalho tornou-se finalista do Prêmio CLAUDIA 2015, na categoria Políticas Públicas.

    No começo, era conhecida como “adoção de fim de semana”. Mas está longe disso. “O padrinho deve entender que sua entrada na vida da criança é definitiva. Ele precisa ser uma pessoa presente, acompanhar os estudos do afilhado, comparecer às reuniões da escola, levá-lo ao vestibular, ajudar a elaborar currículos etc.”, explica a juíza de direito auxiliar Mônica Arnoni, a atual responsável pelo projeto na Vara Central.

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    Atualmente, o projeto atende 80 crianças e adolescentes e é executado em parceria com o Instituto Fazendo História, o Sedes Sapientiae e a Universidade Mackenzie, de São Paulo, que selecionam e capacitam os padrinhos. A coordenadora administrativa Rosemari Talarico desde dezembro de 2015 é madrinha de M.S., 17 anos, portadora de HIV. “Ela tem dificuldade de aprendizado e era muito tímida e retraída. Nos últimos meses, tem demonstrado um comportamento mais extrovertido e expressa carinho pelas pessoas”, diz a madrinha.

    O empresário Antônio Sérgio Amorim também sentiu que sua presença na vida de S.L., 11, há um ano e meio, está surtindo efeito. “Ele me reconhece como sua referência”, comemora o padrinho. O menino, que é autista, também melhorou muito a socialização e se mostra mais participativo no convívio com os familiares e amigos do empresário.

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