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Aborto: a mulher deve decidir como, quando e se quer ter filhos

Ministros decidiram, em julgamento de caso específico, que interromper a gestação até o terceiro mês não é crime. O que isso significa para as mulheres?

Por Isabella Marinelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Débora Stevaux Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 1 dez 2016, 19h54 - Publicado em 1 dez 2016, 19h18
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  • Por decisão da maioria na Primeira Turma, o Supremo Tribunal Federal considerou, na terça-feira (29), que aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime. Votaram desta forma os ministros Rosa Weber, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.

    A decisão tem um contexto específico: trata-se do julgamento de um habeas corpus que revogou a prisão preventiva de cinco funcionários, incluindo médicos, de uma clínica clandestina de aborto. Em 2013, o estabelecimento ilegal, que ficava em Duque de Caxias no Rio de Janeiro, foi fechado pela polícia.

    Segundo o Código Penal brasileiro, uma mulher que aborta está sujeita a ser punida com 1 a 3 anos de prisão, bem como o médico responsável pelo procedimento, que pode ficar privado de liberdade por até 4 anos. Atualmente, a interrupção da gestação só é permitida frente ao risco de vida para a mulher, caso a gravidez seja resultado de um estupro ou sob o diagnóstico de feto anencéfalo – condição que inviabiliza a vida do bebê. Em breve, no dia 7 de dezembro, a Corte também vai deliberar sobre a legalização em caso de comprovação de infecção por vírus zika.

    Na prática, o que a decisão significa?

    A lei não mudou, mas o Supremo colocou em xeque a legislação atual e abriu uma porta em direção à garantia dos direitos reprodutivos femininos. A partir de agora, a jurisprudência garante um importante precedente para decisões judiciais futuras. “Uma vez que a maior instância judiciária toma essa decisão, os juízes que consideram inconstitucional a criminalização do aborto até o terceiro mês de gestação se sentirão mais seguros para arquivar e julgar casos semelhantes. Eles podem usar o mesmo argumento de que o Tribunal já está sinalizando seu posicionamento”, explica Eloísa Machado, professora na faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas.

    “A mulher tem o direito de decidir como, quando e se quer ter filhos, de forma segura e livre”

    Eloísa Machado, professora de Direito
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    Este é um claro sinal de que a mulher tem os seus direitos observados pelo judiciário e de que o Tribunal se debruçará sobre o tema. Para Débora Diniz, antropóloga e co-autora do estudo “Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna”, o enfrentamento da constituição em prol do direito de escolha das mulheres faz parte de qualquer democracia laica. “A nossa constituição prevê a garantia da integridade física e psíquica de um indivíduo. Se uma mulher terá essa garantia comprometida por uma gestação indesejada, é inconstitucional impedir que ela escolha se quer continuar”, defende.

    O mesmo argumento foi usado pelo ministro Luís Roberto Barroso para defender de seu voto. Para ele, os artigos do Código Penal, que criminalizam o aborto no primeiro trimestre da gestação, violam os direitos fundamentais da mulher ao lhe roubarem a autonomia de decisão e seus direitos reprodutivos. “O direito à integridade psicofísica protege os indivíduos contra interferências indevidas em seus corpos e mentes, relacionando-se, ainda, ao direito à saúde e à segurança. Ter um filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física e psíquica de uma mulher“, afirmou Barroso.

    O integrante da Turma ressaltou ainda que este é um importante passo rumo à igualdade de gênero. “Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não”, disse.

    Leia também: Drauzio Varella: “Aborto já é livre no Brasil. Proibir é punir quem não tem dinheiro”

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    Desigualdade social e saúde pública

    O aborto é uma realidade. No Brasil, por ano, o SUS calcula 200 mil internações decorrentes de aborto mal feito – sem mencionar aquelas que nem chegam a procurar atendimento – contra 1.600 casos de interrupções legais.  Isso significa que a cada aborto seguro, acontecem 125 inseguros. 

    No Uruguai, por exemplo, em que a descriminalização já é uma realidade há quatro anos, já é possível fazer um balanço: são 8,5 mil abortos legais realizados por ano e nenhum óbito. O Ministério da Saúde considera a política acertada e garante que o serviço está implantado em todo o país, onde vive 1,6 milhão de mulheres (51% de seus 3,3 milhões de habitantes).

    “A criminalização do aborto afeta ainda mais as mulheres carentes, não só pela falta de acesso ao procedimento seguro, mas também por caírem com maior frequência no filtro do sistema penal”, conta Eloísa Machado. Para ela, a lei proibitiva gera mais risco à vida – já que coloca a mãe em situações de perigo – e aumenta o custo do Estado. “A interrupção insegura da gravidez atinge a saúde pública como uma bola de neve, se falarmos em custo e capacidade em razão da ausência de uma política que encare a questão de frente”, defende.

    Assim como demonstrou o caso em pauta no STF, a mesma responsabilidade recai sobre todos os envolvidos. “Quanto ao médico, mesmo resguardado por permissão judicial, ele não pode pensar que interromper uma gravidez é como extrair um abscesso. É preciso dar apoio à mulher que, sem dúvida, está sofrendo“, enfatiza a médica Graciela Morgado, membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Débora Diniz também acredita na importância do suporte. “Quando o aborto é criminalizado, você perde a oportunidade de acessar essa mulher e as informações que ela carrega. Então, se algo está errado, isso continuará errado. Para falar em descriminalização pela lei, precisamos também falar sobre educação sexual, contracepção e políticas de saúde que compreendam as necessidades femininas”, finaliza.

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