Comunicar uma gravidez no trabalho ainda é problema para as mulheres
Em pleno século 21, as mulheres ainda sofrem pressão e são vistas com maus olhos quando anunciam em suas empresas que estão grávidas - principalmente quando ocupam cargos de chefia!
Ilustração: Ileine Machado
Oi, chefe, boas novas
O que vocês são? Hippies? Essa foi a frase que ouvi do meu então chefe, editor do jornal em que trabalhava, ao contar que estava grávida. Era para ser uma piada, e ele estava longe de ser má pessoa. Mas foi a forma enviesada que encontrou para dizer que não esperava que eu, estando ali havia poucos meses e já mãe de dois garotos, pudesse considerar ter mais um. Para ele, três filhos configuravam uma prole digna apenas das comunidades paz e amor dos anos 1960, com crianças de pezinhos sujos e flores na cabeça. Fiquei um tanto constrangida, pensei em pedir desculpas, prometer me comportar até o último dia da gestação, dizer que trabalharia os nove meses como um homem… Enfim, pensei em um monte de bobagens que denunciava meu sentimento de culpa, apesar de estar feliz com a gravidez aos 33 anos.
Minha filha, Luisa, em cuja gravidez não me lembro de ter faltado um único dia ao trabalho, tem hoje 23 anos. Mas não está, como qualquer mulher da sua geração, a salvo de um embaraço desses. Mesmo se as jovens planejam ter menos filhos ou adiam a maternidade, um belo dia podem engravidar e, se estiverem empregadas, precisam comunicar o fato à empresa. Duas décadas depois de eu ter minha filha, isso ainda é difícil? Sim. As mulheres evitam expor planos de maternidade desde a entrevista de emprego e, se isso acontece, sentem medo quando revelam. A dificuldade aumenta com o nível hierárquico. Ocupar postos-chave pressupõe dedicação exclusiva e um tempo que a maternidade roubará. Quanto mais alta a posição delas, mais essenciais são e mais culpadas se sentem.
Em recente palestra, a CEO da Pepsico, Andrea Álvares, uma das raras mulheres a ocupar a presidência de uma grande empresa no Brasil (há só 14 entre as mil maiores da lista da revista EXAME), contou que, ao saber que o terceiro filho estava a caminho, sofreu para dar a notícia. Acabara de assumir um cargo importante fora do país e achava que a gravidez não planejada não seria bem recebida. Confidenciou ter sentido angústia e culpa. Resolveu tudo naturalmente, com trabalho duro e eficiência para organizar o período de ausência depois do parto.
Há relatos mais amargos. Em outra empresa, uma amiga recém-contratada para um cargo de direção comunicou a gravidez ao superior imediato e levou um pito. Foi chamada de irresponsável e descomprometida. Em pleno século 21, engravidar e, pior, contar para o chefe, homem ou mulher ainda pode ser embaraçoso. A solução é os gestores terem sempre essa possibilidade em mente e um plano para lidar com a eventual ausência temporária de um talento.
A chefona do Facebook, Sheryl Sandberg, que tem dois filhos, diz que sentiu o drama na própria pele. E contou, em entrevista a CLAUDIA, que resolveu falar abertamente sobre o tema, começando por perguntar às candidatas a qualquer cargo na empresa se planejam engravidar. Diante das reações de incômodo e até de indignação com a abordagem direta, ela avisa logo que só precisam contar se quiserem, mas que gostaria de saber porque, se têm esse desejo e acham que isso pode ser mal recebido ali, estão enganadas. Acrescenta que o projeto de ser mãe não prejudicará em nada as aspirações de crescimento na carreira. A conversa traz alívio. Até hoje, garantiu Sheryl, nenhuma se negou a falar do assunto. É uma estratégia corajosa para tirar um peso histórico das nossas costas. Essa é uma das vantagens de termos líderes mulheres que pensam como mulheres quando chegam ao topo.
Cynthia de Almeida é jornalista e estudiosa do comportamento feminino. Com passagens por várias redações da Editora Abril, está constantemente em busca de novas formas de investigar e entender a mulher contemporânea. |