Conheça influenciadores que fizeram da viagem uma profissão
Eles trocaram a rotina por muitos carimbos no passaporte
Uma família que viaja. É assim que a italiana Micaela e o francês Julien Miljian se definem. O casal decidiu em 2017 trocar a casa em Florença, na Itália, pelo mundo. Embarcaram na jornada com os filhos, Teo, 4 anos, e Lia, 2.
“Quando partimos, ela tinha 8 meses e ele havia acabado de completar 2 anos. Eram muito pequenos e não tinham hábitos formados, então aprenderam que viajar é algo normal. Não se cansam. Pelo contrário, estranham quando ficamos mais de duas semanas no mesmo lugar”, explica o parisiense de 33 anos, que já perdeu a conta de quantos países conheceu.
À espera do terceiro filho, o casal ainda não tem passagem de volta comprada. “Se, na minha primeira gravidez, visse alguém levando o estilo de vida que tenho hoje, acharia uma loucura. Mas já conheço meu corpo e meus limites”, afirma Micaela, 30 anos.
O que financia as viagens do grupo é o diário postado no Instagram (@likemiljian). Por lá, os mais de 100 mil seguidores acompanham de perto as aventuras. Inicialmente, o perfil foi criado para manter amigos e família atualizados, porque os dois sempre foram de mudar bastante de endereço.
Ganharam fãs antes mesmo da partida definitiva. “Tínhamos cerca de 10 mil seguidores, mas não considerávamos que essa fosse ser nossa profissão. Em seis meses, passamos a ganhar uma quantia que financiava as viagens e isso se tornou nossa única função”, explica Julien.
Os Miljian são leves, trazem sorriso ao rosto de quem se depara com suas fotos coloridas. Alguns seguidores perguntam como dão conta de viajar com crianças sem perrengue. O primeiro e mais importante detalhe é que eles não abrem mão de seguro-viagem.
“Os pequenos agregam tanto, acho bonito isso de se doar ao outro. É uma questão de ponto de vista: devo me lamentar ou ser feliz com a decisão que tomamos?”, questiona o francês.
A sala de aula dos irmãos é o mundo. “Estudamos as cores no mercado, os números… Ensinamos tudo o que podemos. Eles falam três línguas, e fazemos questão de aprender cinco novas palavras em todo país que visitamos”, acrescenta o pai.
Ele sabe que a família precisará escolher uma base quando as crianças chegarem à idade escolar. “Deve ser em algum país na Ásia, pois gostamos do modo deles de enxergar a vida”, reflete.
Também foi em família que Joanna Franco partiu do Rio de Janeiro para os Estados Unidos. Em busca de uma vida melhor para os três filhos, Denise, sua mãe, decidiu comprar uma passagem só de ida para Connecticut, em 1998.
“Eu tinha 5 anos, fiquei superanimada. Tive que aprender inglês rápido, porque no dia seguinte minha mãe já começou a trabalhar como babá e eu fui para a escola. Ensinava a ela”, relata a jovem de 26 anos.
Apesar do ótimo desempenho, Joanna tem olhar crítico sobre a situação. “Quando você mora em dois lugares, não tem uma única cultura. Conversava com minha família no Brasil, e eles diziam que meu sotaque era estranho. Na escola, falavam que meu cabelo era grande e encaracolado, que minha pele era marrom e que eu não parecia americana. Olhei essa falta de identificação total por um lado positivo e fui conhecer mais culturas”, explica Joanna, que é fluente em cinco idiomas.
Ela cursou faculdade de negócios internacionais, mas, quando concluiu, viu que o mercado não era exatamente o que tinha imaginado. “Em 2015, desisti de tudo. Estava trabalhando num escritório em Nova York, parecia coisa de filme. Mas aí via todo mundo meio zumbi em frente aos computadores.”
Foi, com 2 mil dólares no bolso, para Los Angeles com o amigo Damon Dominique, que conheceu pelo Facebook. Montaram o canal Damon and Jo no YouTube, hoje com mais de 1 milhão de inscritos. Em seguida, lançou o Shut Up and Go (Cale a Boca e Vá, em tradução livre), plataforma com artigos de escritores do mundo todo.
Apesar da rotina pesada de trabalho, ela passa longas temporadas em outros países. “Viajo muito sozinha e recomendo para toda mulher, é uma oportunidade de autoconhecimento. Quando você se vê em um lugar diferente, em que a língua é outra, tem que se virar”, conta. Seus registros de aventuras no Instagram (@jo_franco) conquistaram mais de 130 mil seguidores.
A carioca já viveu em Paris, Roma, Londres, Grécia, México, Costa Rica e muitos outros lugares. “Gosto de ter que me esforçar para entender o outro.” Ela conta que já se deparou com muito preconceito na estrada por ser mulher e negra.
“Em alguns países talvez eu tenha sido a primeira negra que eles conheceram, então cheguei com respeito. Tem racista no mundo inteiro, mas, se eu falo a língua deles, a primeira experiência é mais legal e tende a amenizar as seguintes”, explica. “É claro que sinto medo”, admite. “Mas vou mesmo assim.”
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Casa sobre rodas
Um motorhome, 12 metros quadrados de espaço e 33 peças de roupa para cada um. É assim que vive o casal de administradores Romulo Wolff, 39 anos, gaúcho de Osório, e Mirella Rabelo, 37, mineira de Poços de Caldas. Apesar das carreiras estáveis em São Paulo, onde moraram até 2014, decidiram que era o momento de realizar um sonho: dar a volta ao mundo em dois anos.
Na época, não eram tão comuns exemplos de influenciadores viajantes. Viram ali uma oportunidade. “Tínhamos juntado algum dinheiro, mas não queríamos gastar tudo e ficar desamparados se o plano desse errado. Vimos perfis de blogueiras de moda e pensamos: ‘Por que não fazer isso com turismo?’”, lembra Mirella.
O duo criou o @travelandshare e enviou propostas comerciais para mais de 150 empresas. Receberam alguns retornos positivos, dentre eles um que faria toda a diferença. Uma montadora forneceria uma caminhonete. Sobre o teto do carro, carregavam uma barraca de camping, usada para passar a noite em alguns lugares. “Fomos do Brasil ao Alasca assim”, relata.
Começaram a produzir vídeos para o YouTube em português – algo que ainda era raro –, mas o negócio demorou um ano e meio para engatar. “Foram mais de 600 vídeos até o canal nos dar retorno financeiro”, conta Mirella. Depois, com quase 1 milhão de inscritos, vieram as propostas para serem garotos-propaganda de algumas marcas.
Nesse meio-tempo, trocaram o meio de transporte. “Depois de muito insistir com uma marca, conseguimos uma casa camper de 26 mil dólares em troca de conteúdo”, explica Mirella. “De repente, tínhamos cozinha, geladeira, cama, chuveiro. Deu a sensação de que aquela era nossa casa.”
E o que era para durar dois anos se tornou uma aventura sem prazo final. “Estamos só começando”, assegura Romulo, animado com o confortável motorhome de 12 metros quadrados que substituiu a camper em fevereiro deste ano. Eles adotaram recentemente Guapa, uma minúscula chihuahua.
Os negócios do casal se multiplicaram. Agora, oferecem cursos digitais, têm uma agência de aluguel de motorhome, dão palestras e até escreveram um livro, que figurou como o mais vendido durante uma semana em uma plataforma online. Com tantas tarefas, o casal garante que o clima não é de férias eternas.
“Desde que nos demos conta de que gostávamos de viver assim, trabalhamos sem pausa para nos manter”, relata Mirella, que tem 48 carimbos no passaporte. Da vida antiga só sentem falta da academia (por mais inesperado que isso pareça). “Comemos muito e não temos onde malhar”, revela a mineira aos risos.
A insatisfação com a rotina também motivou o casal de portugueses Carina Pinheiro, 25 anos, e Ivo Filipe Fernandes, 26, a deixar o emprego em 2017 e comprar um bilhete só de ida para o Sudeste Asiático.
“Partilhamos nossas viagens nas redes sociais para conhecidos saberem onde estávamos, mas começamos a perceber que não eram só eles que acompanhavam o nosso dia a dia”, explica Carina, do @onewayticketrip, com 130 mil seguidores.
Para manter o conteúdo interessante e a produtividade alta, trabalham muito. “Em um dia normal, produzimos 15 gigabytes de fotografias, e apenas duas ou três são utilizadas”, conta Carina.
O material deslumbrante chamou a atenção de empresas interessadas em parcerias, e atualmente eles contam com contratos mensais, publicações pagas e ainda ganham dinheiro para se hospedar em locais paradisíacos. Concordam que a sensação não tem nada a ver com estar de férias.
“Costumamos dizer que trabalhamos 24 horas por dia, sete dias por semana”, conta Carina. Ela destaca que há muitos momentos não registrados nas redes sociais – alguns bastante desafiadores. “Odiamos a vida rotineira, mas alimentação é algo bastante difícil nessas andanças.” Já pensou em retomar o estilo de vida anterior? “Casa não é um endereço, é onde nós somos felizes.”
Sonhos tropicais
Cenários incríveis e cliques milimetricamente planejados: o feed do Instagram de Anna Laura Wolff é daqueles de deixar qualquer um sonhando em viajar pelo mundo. A jornalista gaúcha de 26 anos se mudou para São Paulo adolescente, mas há cinco anos adotou a vida viajante.
Ela já visitou 36 países. “Gosto de explorar bastante cada destino, então fico vários dias na mesma cidade”, explica Anna Laura, que nas redes sociais conta com o impressionante número de mais de meio milhão de seguidores. “Parti determinada e, como era jovem, não estava tão preocupada caso não desse certo”, explica. Também tinha alguns caminhos abertos porque havia trabalhado como jornalista na área de turismo.
Além de lucrar com as muitas visualizações no blog Carpe Mundi – a página recebe cerca de 600 mil visualizações mensais –, Anna Laura também se mantém com parcerias pagas, principalmente de vestuário e beleza, e com a venda de presets (um conjunto de configurações de filtros e efeitos para aplicar sobre as fotos).
A gaúcha retorna a São Paulo com frequência não só para matar a saudade dos familiares mas para negociar contratos. Entende que quem vê de fora acha sua rotina um sonho, mas há alguns ônus. “Já perdi casamento de amiga e outras datas importantes por estar distante.”
A influenciadora admite ainda que dificilmente consegue se desligar totalmente do trabalho. “Viajar sem câmera seria a maior tortura para mim”, confessa. As belas fotos publicadas na rede escondem um grande esforço.
“A travessia do Deserto do Atacama, no Chile, até o Salar de Uyuni, na Bolívia, exigiu grande resistência. Tive muita dor de cabeça. Nos poucos momentos em que parei para tirar foto, usei meu controle remoto para clicar a 100 metros de distância. Tirei a foto e saí correndo para chegar à pose. Depois, tive que usar um cilindro de oxigênio”, lembra.
A maturidade e a experiência, como sempre, fizeram a diferença. “Antes precisava de muitos retratos para chegar a um bom. Agora, sei meu estilo.”
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