Abril de 1972. O então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon (único a renunciar ao cargo de maior poder do mundo), homenageado em um baile de gala na capital canadense, Ottawa, ergueu sua taça: “Esta noite vamos dispensar as formalidades. Quero fazer um brinde ao futuro primeiro-ministro do Canadá, Justin Pierre Trudeau”. Ele se referia ao filho do então primeiro-ministro, Pierre Trudeau, nascido quatro meses antes.
Em 43 anos, a profecia do americano se concretizou. Mais. Justin Trudeau não se tornou, simplesmente, o 23º primeiro-ministro do Canadá, mas um dos líderes mais festejados de nosso tempo. Desde o início da corrida ao posto ocupado por seu pai entre 1968 e 1979 e, depois, entre 1980 e 1984, o jovem político alcançou relevância em todo o planeta – por reunir atributos de conteúdo e forma.
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Recentemente, ganhou a lista das figuras mais poderosas do mundo (é o 66º, segundo a Forbes) e, ao mesmo tempo, a dianteira do rol dos mais estilosos, segundo uma revista masculina americana. Além de ideias arrojadas, coerência e senso de humor – faz piadas, principalmente, consigo mesmo –, Justin Trudeau costuma deixar as plateias femininas extasiadas com seu charme e beleza. Alguém discorda?
A primeira surpresa positiva de seu mandato, logo após a eleição, em outubro, veio ao cumprir uma promessa de campanha (algo a que certamente não estamos acostumados): dividiu igualmente os 30 ministérios que compõem seu governo entre homens e mulheres.
E não ficou nisso. Ele designou pessoas que tinham afinidades com os temas de suas pastas. A ministra da Ciência é, veja só, cientista, vencedora de um Nobel. O ministro dos Transportes, astronauta. Já o encarregado das Instituições Democráticas é um refugiado muçulmano. E por aí vai. Ao ser questionado sobre a mistura de credos, raças e gêneros no gabinete, não titubeou: “É porque estamos em 2015”.
Casado há 12 anos com a jornalista Sophie Grégoire, 42 anos, com quem tem Xavier James, 9; Ella-Grace, 8; e Hadrien, 3; Trudeau tomou para si as causas das mulheres. Durante um debate sobre igualdade de gêneros, em 2016, na Suíça, foi aplaudido ao dizer: “Nós não devemos ter medo de usar a palavra feminista. Homens e mulheres deveriam usá-la para se descrever quando quiserem”.
E mantém uma agenda constante sobre o assunto. No início do último mês de abril, foi a grande atração da abertura do Women in the World Summit, em Nova York, onde anunciou um investimento de 650 milhões de dólares para a saúde reprodutiva da mulher. “Promover mulheres a posições de poder não é só uma coisa legal a fazer. É a atitude inteligente a se tomar”, falou na ocasião.
Trudeau filho também tem tirado proveito das bravatas de Donald Trump e preenchido a carência planetária de líderes carismáticos. Enquanto o topetudo baixa sanções à chegada de estrangeiros no país e luta pela construção de um muro fronteiriço, o canadense anunciou ao Parlamento, em fevereiro deste ano, que continuará a aceitar refugiados em seu país – o número de pessoas pedindo expatriação a partir das fronteiras dos Estados Unidos mais que dobrou entre 2015 e 2016.
Para reforçar a ideia, Trudeau chegou até mesmo a ir pessoalmente ao aeroporto de Quebec para recepcionar um avião com 150 sírios, abraçá-los e dizer que em seu país eles estão a salvo.
NO BERÇO DO PODER
Os pais de Justin, Pierre Trudeau (que morreu em 2000, aos 81 anos) e Margaret Sinclair, 69 anos, se conheceram quando estavam em férias no Taiti (sim, eles são do tipo glamurosos), em 1967. Ministro da Justiça à época, 29 anos mais velho, fama de playboy, ex-namorado de Barbra Streisand, ele teve que batalhar para conquistar a moça, filha de uma família canadense tradicional e rica.
Em 1971, casaram em segredo, diante de apenas 13 convidados, para despistar a mídia, que iniciava uma corrida desenfreada atrás de casais formados por políticos e celebridades. Da união nasceram três filhos: Justin, em 1971, Alexander, o Sacha, em 1973, e Michael, em 1975.
Jovem e linda, Margaret gostava de causar impacto. Apareceu em um jantar de gala na Casa Branca vestindo uma saia na altura do joelho, quando a ocasião determinava longo. Escândalo. Em outra ocasião, durante um evento oficial na Venezuela, deixou o discurso de lado e decidiu homenagear a primeira-dama local cantando uma música (anos depois admitiu que pouco antes da festa tinha ingerido peiote, um chá de efeito alucinógeno). Outro escândalo.
Assim como casaram, separaram: sigilosamente. O fim da união só virou notícia quando Margaret foi a um show dos Rolling Stones no Canadá e passou a acompanhar a turnê da banda. Diziam que estava tendo um caso com Mick Jagger. Só há pouco tempo a verdade veio à tona: o affair era com Ron Wood, que confessou a relação em sua autobiografia. No meio de tudo isso, ela ainda teve um breve romance com Ted Kennedy e foi encaminhada à delegacia por porte de maconha.
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Essa sede de aproveitar a vida, somada a uma bipolaridade diagnosticada anos mais tarde, fizeram com que a guarda dos filhos ficasse com o pai, o que terminou sendo determinante na formação do político Justin Trudeau. A distância não deixou sequelas aparentes: mãe e filho são muito próximos. Por ser o mais velho, ele foi extremamente importante quando o irmão caçula, Michael, morreu em uma avalanche, numa estação de esqui, em 1998, aos 23 anos. Além de apoiar os pais, Justin liderou uma campanha de alerta a esse tipo de acidente climático, relativamente comum no gélido Canadá.
Desde os 6 anos, o primogênito acompanhou o pai em viagens de trabalho. Ao seu lado, visitou cerca de 50 países e teve acesso a situações ímpares. A primeira pessoa morta que viu, por exemplo, foi o líder russo Leonid Brezhnev. Ainda criança, foi apresentado à rainha Elizabeth II, com quem reencontrou, já eleito: “Da última vez que nos vimos, a senhora era bem mais alta”, brincou, e em retribuição foi presenteado com um raro sorriso da monarca.
Apesar da rotina de filho de chefe de Estado, de ter crescido diante das câmeras e de sempre ver suas conquistas pessoais pautando os jornais do país, vivia com um pé na realidade das pessoas comuns: ia e voltava de ônibus da residência oficial para a escola (a mesma que o pai frequentou, uma tradicional instituição jesuíta), mesmo quando tinha de correr para chegar a tempo para o almoço com algum presidente ou nobre. “Meu pai nos ensinou a encarar os problemas e não a fugir deles.”
Fez faculdade de literatura e, ao se formar, viajou com os amigos por 12 meses. Na volta, retomou os estudos e tirou o diploma de professor. Durante três anos deu aulas de francês, matemática, inglês e dramaturgia para alunos do ensino médio. Foi instrutor de ioga, de snowboard, tentou lutar boxe e ser ator (chegou a participar da série de televisão The Great War, longe de ser um sucesso de público). “Até hoje, quando me perguntam qual a minha profissão, respondo que sou professor”, disse o chefe de Estado a um portal de notícias canadense.
Trudeau ainda tentou outros caminhos: ingressou na faculdade de engenharia, mas desistiu depois de um ano. Então, deu uma chance à engenharia ambiental e, por quatro anos, participou de um projeto canadense voluntário de educação para jovens. “Eu achava que a política só ia acontecer na minha vida quando ficasse mais velho”, diz.
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Nessa mesma época, em 2003, reencontrou uma colega de colégio de seu irmão Michael, Sophie, apresentadora de um programa canadense e ex-personal shopper. Partiu dela a iniciativa: mandou um e-mail puxando papo. Não teve resposta. Eles voltaram a se encontrar casualmente e, sem graça, Justin a chamou para jantar. No final daquela noite, disse: “Esperei 31 anos por você. Quer casar comigo?” Nunca mais se separaram.
Dois anos depois, trocaram as alianças e logo vieram as crianças. Volta e meia o primeiro-ministro escreve tweets apaixonados para a mulher. “O Justin tem um jeito de olhar que faz com que você se sinta a única pessoa no mundo, a mais importante”, diz Sophie.
NO ENCALÇO DO PAI
A primeira pista de que ele poderia vir a seguir os passos do pai foi justamente no funeral deste, morto em decorrência de um câncer na próstata, em 2000. Um dos políticos de maior popularidade dos tempos atuais, membro do Partido Liberal, foi Pierre quem liderou as negociações para a criação de uma Constituição própria do país, independente do Parlamento inglês. Também foi ele que transformou o Canadá em uma nação bilíngue, legalizou o divórcio, regulamentou a lei que permite o aborto e descriminalizou a homossexualidade.
Por tudo isso, deu nome a um movimento de fãs: Trudeaumania, em alusão à beatlemania. A missa de corpo presente reuniu pelo menos 3 mil pessoas na catedral de Montreal, entre eles o ex-presidente americano Jimmy Carter, o ditador cubano Fidel Castro e o músico canadense Leonard Cohen. Com seu discurso, Justin emocionou a todos. A oratória foi encerrada com um embargado “Je t’aime, papa”.
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Em termos efetivos, Justin só começou a se dedicar à política em 2007, quando foi eleito para o Parlamento por um distrito de Montreal que não tinha histórico de votação no Partido Liberal. Daí em diante, soube tirar vantagem da sua imagem e das redes sociais, que volta e meia ficam congestionadas com fotos em que aparece abraçado a pandas ou pintando murais com as crianças, de pijama.
Em 2013, foi nomeado líder do PL. Quando começou a corrida pelo cargo de primeiro-ministro, era o terceiro colocado nas pesquisas. Com uma plataforma baseada em transparência, aumento de impostos entre os ricos em benefício da classe média e investimento em criação de empregos, virou o jogo e encerrou dez anos de política conservadora no país.
Agora, quase um ano e meio depois de assumir o posto, segue com a popularidade em alta, esgrima com a economia, defende o livre-comércio, batalha pela legalização da maconha e pelos direitos dos transexuais. Se estivesse aqui, Nixon constataria que, ao erguer aquele brinde, atirou na centena, mas acertou no milhar.