Desde sexta-feira (23), a estudante de psicologia Marcelly Alves tem evitado sair de casa e, principalmente, usar transporte público. O motivo? Na noite de quinta-feira, ela foi assediada sexualmete dentro de um vagão do metrô no Rio de Janeiro, quando um homem colocou a genitália para fora e ejaculou em seus pés. Detido pelos seguranças do metrô, o homem, identificado como Ildenilson Carvalho da Silva, foi encaminhando ao 25º DP junto com a universitária.
Lá, depois de mais de quatro horas de espera na madrugada e diante do descaso dos plantonistas da delegacia, a moça desistiu de prestar queixa. Abalada e revoltada, Marcelly fez uma postagem em suas redes sociais contando o ocorrido. Só após o fato se tornar público, foi chamada pelo delegado Marcus Neves, titular do DP, para retornar e registrar a ocorrência – o que fez na tarde de ontem. No entanto, mesmo portando provas como a sandália com material genético do assediador e tendo testemunhas para indicar, o delegado registrou o caso apenas como “importunação ofensiva ao pudor”, por considerar que não houve crime.

Outro caso, mesmo homem, mesmo dia
Ildenilson não é réu primário. Já há queixa contra ele registrada em 2011, da mesma natureza, de autoria de uma moça chamada Carolina. O ataque a Marcelly também não foi o único naquela noite. A menor L.B., de 17 anos, voltava do colégio e embarcou no mesmo vagão, na estação São Cristovão. O trem estava lotado e, como ela contou à CLAUDIA, percebeu um toque em suas nádegas, mas achou que era impressão. Em seguida, sentiu um apalpão mais forte e constatou que homem atrás dela a alisava.
“Fiquei paralisada de horror e só consegui empurrá-lo um pouco e sair de perto. Na sequência, ouvi os gritos de uma outra mulher e as pessoas se movimentando para segurar o cara”, disse a adolescente, que reconheceu o rapaz depois de um amigo em comum compartilhar a postagem de Marcelly. “O agressor ainda se fez de desentendido na hora, falou que não tinha sido ele, que era uma confusão e que não ia desembarcar”, completa. Detido por populares, ele foi obrigado a descer na estação seguinte, onde a equipe do metrô o esperava.
Abusador segue em liberdade
Marcelly, L.B. e provavelmente muitas outras mulheres que precisam usar o transporte público no Rio tarde da noite estão apavoradas e decepcionadas. Antes de retornar à delegacia, a universitária fez denúncia na sexta-feira (23), na Central de Atendimento à Mulher, por meio do 180. Foi orientada a telefonar dias mais tarde, para saber do andamento do caso. “Ou seja, se eu não ligar, fica por isso mesmo”, disse frustrada.
Após tomar conhecimento do caso, a OAB Mulheres se pronunciou por meio de uma nota, dizendo que “acompanhará sindicância em delegacia onde vítima teve dificuldade para registrar crime de assédio em transporte público”. A entidade disse ainda, que “enviou ofício solicitando informações acerca do andamento das investigações, tendo em vista que acompanhará, de perto, todo o procedimento e seus encadeamentos”. Porém, um desfecho que tranquilize as vítimas parece estar longe de acontecer. E enquanto isso, Ildenilson permanece em liberdade.
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Caso semelhante em São Paulo
A história no Rio de Janeiro lembra o ocorrido em São Paulo, em 2017, quando um homem ejaculou no pescoço de uma mulher dentro de um ônibus. Na época, o juiz José Eugênio Souza Neto, do Tribunal de Justiça de São Paulo, também classificou o episódio somente como importunação ofensiva ao pudor. E numa infeliz declaração, o magistrado justificou que no entendimento legal, “não houve constrangimento da vítima”.
A decisão incitou o debate sobre a cobertura jurídica de proteção a vítimas de crimes sexuais. Atualmente, conforme o Código Penal e a Lei da Dignidade Sexual, ocorrências como estas ficam sujeitas à interpretação de juízes e delegados, que podem até configurá-las como estupro, caso haja este entendimento. Mas geralmente a análise do ato é branda.
Marcelly contou, em entrevista à CLAUDIA, que uma audiência está agendada para o próximo dia 6. No entanto, a jovem tem poucas esperanças de que o agressor compareça e, mais que isso, seja punido exemplarmente.