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Ansiedade e pânico marcam o fim do isolamento para introvertidos

Parece cada vez mais próxima a retomada da rotina fora de casa. Enquanto muitos desejam, outros sofrem só de pensar na volta da vida social e no escritório

Por Nádia Lapa
16 jul 2021, 12h00
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    despertador toca anunciando o início de mais um dia. Depois de escovar os dentes, pentear o cabelo e escolher uma roupa, é hora de calçar os sapatos e sair, em vez de ligar a câmera para encontrar com os colegas online. Após um ano e meio de restrições, cada vez mais profissionais precisam abandonar o home office e desbravar o trânsito para retomar a rotina no escritório – com a vacinação finalmente acelerando, as empresas começaram a programar o retorno.

    Para alguns, a volta mal se estabilizou e o corpo já dá sinais de exaustão. “Quando preciso ir para a empresa, tenho pesadelos. Acordo gritando, em pânico, com falta de ar e o coração acelerado”, conta a videomaker Natalia Hermes, 23 anos, de São Paulo. Atualmente no esquema híbrido, revezando trabalho presencial e em casa, ela já considerou pedir demissão, tamanha a ansiedade. “Até chegar lá, eu me sinto mal. Durante o dia, eu só penso em voltar pro meu canto”, fala. “Parei de pegar transporte público e, em uma viagem a trabalho, chorei todos os dias.”

    Para a psicóloga Naira Delboni, passar por episódios de ansiedade nesse período é mais do que esperado. “Tivemos uma quebra muito inesperada no nosso dia a dia quando a pandemia começou. De repente, nos isolamos para garantir a nossa sobrevivência”, diz. A casa se tornou um abrigo, um local seguro, onde tínhamos algum controle. “Sair da zona de conforto é um grande desafio”, pontua. “Pode haver resistência e o enfrentamento se faz necessário, mas deve ocorrer com calma.”

    “A palavra-chave dessa crise é paciência. Precisamos viver o dia a dia, sem ficar projetando. A situação é muito preocupante, mas podemos lidar com ela”

    Lia Vasconcelos, educadora parental

     

     

    A advogada Raquel*, 42 anos, de Brasília, também não está muito feliz com a ideia do retorno da rotina pré-pandêmica. “Depois que tomei a primeira dose da vacina, pensei: ‘Ah, vou conseguir ir ao supermercado’, como se fosse o evento mais esperado de todos, mas a verdade é que continuo preferindo ficar em casa. Em setembro, terei que dividir a sala no escritório com mais três pessoas. Eu não sei se elas estarão vacinadas e se estão seguindo as regras de distanciamento ou usando máscara, por exemplo. Isso me angustia. E se eu levar o vírus para minha família?”, questiona.

    Naira afirma que o medo faz parte das nossas emoções, é um mecanismo de defesa natural. A tarefa mais importante é descobrir quando ele se torna excessivo, nos paralisando e trazendo prejuízos emocionais ou profissionais. “Se houver excesso nesses sentimentos, pode desencadear síndrome do pânico e depressão. É preciso identificar padrões e buscar ajuda caso fique muito difícil”, completa Naira.

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    Veja também: Pandemia expõe falhas nas relações amorosas e cresce o número de divórcios

    O assunto ocupou uma sessão de terapia da vendedora curitibana Karyne Oliveira, 33 anos. Ela continuou trabalhando presencialmente, enquanto a esposa ficou em home office. O receio da contaminação ainda existe e a deixa apreensiva, mas Karyne também se preocupa porque simplesmente perdeu a vontade de socializar.

    Introvertida, ela compreendeu, com ajuda profissional, que não havia nada de errado nisso: “Sei da importância de estar em contato com as pessoas, mas não ultrapasso meus limites. Tenho me conectado melhor com a minha introversão, aceitei que é um traço da minha personalidade. Eu me sinto bem em casa, com minha esposa, meus gatos, meus planos.”

    Para quem é introvertida, foi mais fácil processar as festas canceladas e até o ensino remoto. A estudante paraibana de psicopedagogia Ligia Martins, 19 anos, torce para que certas mudanças, como as aulas online, tenham vindo para ficar. “Para mim, estar com outras pessoas é um bônus, não uma necessidade. Eu não sinto falta de reuniões sociais, na verdade, esses eventos me deixam cansada”, diz a estudante. “Claro que preferia que isso fosse uma escolha, não uma consequência do que vivemos”, alerta.

    Apesar do imediatismo das decisões que tivemos que tomar em março do ano passado, algumas pessoas conseguiram adaptações que se apresentaram benéficas a longo prazo. A executiva de vendas Iule Fernandes, 33 anos, se considera sortuda pela oportunidade do home office.

    Ela conseguiu o que muitos brasileiros sonham: deixou a loucura da correria da capital paulista e se mudou para perto da praia, no Guarujá. “Em vez de gastar tempo no trânsito, acordo mais tarde e faço ioga. A nova rotina me faz mais feliz, é leve”, conta. Ainda assim, não rejeita a proposta de voltar algumas vezes por semana ao escritório. “Eu sinto falta de me arrumar, ver gente, conversar. Ver a cidade vazia me dá tristeza.”

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    “Não podemos esquecer o que vivemos, precisamos de tempo para nos reorganizar. É cruel achar que somos máquinas, e que temos um botão de liga e desliga da pandemia”

    Fernanda Lopes, psicóloga

     

     

    O trabalho de casa também foi perfeito para a baiana Nivia Rosas, advogada e professora universitária. Ela agora trabalha remoto nas duas atividades: “Eu me adaptei muito bem, criei um ambiente bacana para trabalhar e a interação com os colegas via internet é suficiente para mim. Sinto falta de um barzinho, mas entendo a necessidade das restrições”.

    E a escola?

    Para crianças e adolescentes, a história pode ser bem diferente. Apesar de estar acompanhando de perto a educação do filho, hoje com 2 anos e 4 meses, Nivia percebeu que Isaque sente falta de interação social. “Com as restrições diminuindo, tentamos levá-lo ao parque duas vezes por semana. Às vezes, não é possível, e logo noto uma regressão no comportamento dele. Ele fica mais retraído e chora ao sair, pedindo para voltar para casa. Estou preocupada em como vai ser a adaptação dele na escola”, conta.

    mulher andando de patinete debaixo da água
    (Henrik Sorensen/Getty Images)

    Segundo Lia Vasconcelos, jornalista e educadora parental, o convívio social é como um músculo, que ficou adormecido. “É natural que leve um tempo para voltar, mas vai ser fortalecido novamente”, diz. “A palavra-chave dessa crise é paciência. Precisamos viver o dia a dia, sem ficar projetando as coisas. A situação é muito preocupante, mas podemos lidar com ela. O mundo inteiro está passando por isso, muitas crianças ficaram sem escola, mas com apoio e tempo, tudo vai se resolver”, acredita Lia.

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    Um estudo do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais (Lapope), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, apontou que 78% dos professores entrevistados acreditam que o estudo remoto teve impactos negativos na expressão oral, nas habilidades interpessoais (empatia, capacidade de negociação de conflitos, cooperação, respeito a regras, cortesia, etc.), na escrita espontânea e no desenvolvimento motor ou expressão corporal das crianças.

    Nas famílias de condição socioeconômica mais elevada, o impacto foi reduzido com atividades extracurriculares, como pintar, desenhar, ler com os pais e ouvir histórias. A analista de sistemas Danielle Castro, de 42 anos, de Vitória, estava preocupada com o filho Davi, 7 anos. “Durante as aulas online, ele pulava, brincava, atrasava na cópia das tarefas que a professora passava”, relembra. “Criança tem muita energia, precisa passear, correr, e isso fica impossível em um apartamento pequeno.”

    Ela então o matriculou em um curso de violão. Ainda que virtuais, as aulas foram de grande ajuda para desenvolver a criatividade do pequeno, além de acalmar a ansiedade. Mesmo com as dificuldades, Davi conseguiu terminar a alfabetização e está indo bem na escola, agora funcionando em esquema híbrido. Inspirada pelo filho, Danielle também voltou a tocar violão, uma paixão de anos atrás.

    A psicóloga e psicanalista Fernanda Lopes defende que a cooperação entre educadores e famílias é imprescindível neste momento de transição para o ensino presencial. “Será necessário construir juntos, escutando as demandas dos estudantes. Eles podem dizer o que lhes deixa mais confortáveis. Pode ser ir à escola e voltar para casa antes do recreio, por exemplo. Conversar, estabelecendo metas de datas de retorno e quantidade de dias de aula, vai ajudar a criança ou o adolescente a se acostumar”, acredita a terapeuta.

    “Tenho me conectado melhor com a minha introversão, aceitei que é um traço da minha personalidade. Eu me sinto bem em casa, com minha esposa”

    Karyne Oliveira, vendedora
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    Essa participação dos pais é fundamental inclusive para identificar se a criança está com alguma dificuldade de aprendizagem ou se a cobrança está elevada. “Estamos em uma situação absolutamente atípica. Se antes da pandemia já tínhamos de respeitar as características individuais de cada aluno, agora isso ficou mais patente. Às vezes, a escola tem a expectativa de que todos os estudantes serão iguais, mas não somos uma linha de produção”, fala a psicóloga.

    Mulher meditando debaixo da água
    (Henrik Sorensen/Getty Images)

    Adolescentes vivenciam a pandemia de forma diferente. Em uma fase de formação de personalidade, pode ser muito desolador não fazer parte de um grupo. Incertezas quanto ao futuro podem trazer bastante ansiedade. Porém, não é preciso que pais se desesperem. “Nem todo sofrimento psíquico leva a um transtorno, e isso pode ser superado naturalmente”, completa Fernanda.

    Futuro ainda incerto

    A readaptação pode ser difícil para pessoas de todas as idades. “Estamos vivendo um período de muitas perdas – subjetivas, emocionais, e concretas, de luto, além das questões econômicas”, diz Lia. Ficamos muito tempo interagindo apenas pelas redes sociais e telas de computadores, com infinitas reuniões e aulas via Zoom.

    Veja também: Zoom Fatigue, o esgotamento provocado pelo excesso de videochamadas

    Com a perspectiva da reabertura, uma rápida olhadela no Twitter mostra inúmeras postagens mencionando a ansiedade em voltar, acompanhada do receio de não mais saber conviver socialmente. Enquanto na vida online podemos desligar a câmera ou responder mensagens depois de algum tempo, com calma, presencialmente o diálogo é imediato.

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    “O que é saber socializar?”, pergunta Fernanda, que acredita haver uma idealização da ideia. “É saber sempre o que dizer, estar de bom humor o tempo todo, não haver silêncio nas conversas? Enquanto a socialização das redes sociais é muito passiva, na vida real não dá para esperar a performance montada do Instagram.” E este é um desafio que teremos de enfrentar. “A ansiedade coletiva que se instalou é legítima, até porque o vírus continua aí e não está controlado”, diz a psicóloga Cristiane Maluhy Gebara.

    Os efeitos da pandemia na educação e nas relações sociais e de trabalho ainda não estão claros. Há pouca – ou quase nenhuma – certeza sobre como os próximos meses vão se desenrolar. Mesmo países com a vacinação avançada, como o Reino Unido, ainda mantêm restrições para evitar novas contaminações.

    O que o momento pede é calma. “A transição para o lockdown foi muito violenta, mas podemos ir com mais calma nessa nova etapa”, acredita Fernanda. “Passamos por cima de muita coisa, mas não podemos esquecer o que vivemos, precisamos de tempo para nos reorganizar. É cruel achar que somos máquinas, e que temos um botão de liga e desliga da pandemia”, conclui.

     

     

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