“Quando estava próximo do nascimento do meu segundo filho, David, minha esposa, Nathalia, e eu, escolhemos um sítio para realizar o parto. É um lugar que frequentamos bastante e estávamos querendo ter o bebê por lá. Como somos terapeutas, era possível ficar trabalhando à distância, hospedados por um mês. Foi ótimo, pude me conectar com a natureza.
Fizemos os preparativos e montamos uma equipe. Além da doula, reunimos pessoas queridas, como a responsável pelo sound healing e a outra que ficaria com a fogueira. Estava tudo lindo e maravilhoso. Próximo ao dia, porém, a parteira olhou para o local onde a gente queria que o David nascesse, amplo e alto, e disse que é da natureza da fêmea buscar um cantinho para o parto. Assim como os animais, que vão atrás de uma caixa ou de algo mais protegido para os filhotinhos nascerem, é instintivo também para o ser humano procurar abrigo. E mesmo que tenha medo, a mulher sabe o que tem que fazer porque o corpo entende o caminho.
Estava atendendo em um dos quartos, mas precisei dizer para a minha paciente que meu filho iria nascer. Desliguei. A Nathy, ali próxima, já sentia as primeiras contrações. A ideia inicial era avisar as pessoas que deveríamos ir para o local combinado. Contudo, na hora, ela me olhou e pediu para não irmos a lugar algum: ‘Não quero ninguém aqui’. Era o instinto dela falando mais alto.
Concordei e perguntei se poderia pelo menos comunicar a parteira, ao que, obviamente, respondeu sim. Por ela estar próxima ao sítio, chegaria tranquilamente. A gente só não imaginava que o parto seria tão rápido — o processo inteiro durou uma hora e cinco minutos.
Nesse meio tempo, corri para pedir para prenderem os cachorros: já era noite, eles estavam rondando o sítio e precisavam ficar presos para a parteira conseguir entrar na casa. O rapaz que cuidava dos cães tinha ido ao pronto-socorro, fiquei apreensivo, mas, por sorte, já havia retornado e me ajudou na tarefa. Tudo certo.
Quando voltei para Nathy, ela estava no boxe, naquele cantinho que as fêmeas procuram, tendo as contrações. Eu fiquei na assistência e a minha filha, Maria Clara, na época, com dois anos, nos acompanhou. Não tinha mais ninguém… E a gente esperando a parteira chegar.
Apesar dos contratempos, estávamos todos muito tranquilos. Em momento algum ficamos preocupados, me senti tomando as medidas necessárias e ficamos em paz — não sei se por ignorância ou por apenas emanarmos tranquilidade mesmo. A Maria Clara perguntava se a mãe estava bem e a Nathy dizia que logo logo o irmãozinho dela iria nascer. Achei curioso ela ter tamanha presença de espírito ao se preocupar com a experiência que a Clara estava tendo. Para não assustá-la, toda hora que vinham as dores de uma contração, aquele momento intenso, a Nathy transformava a situação em algo leve, com sons e expressões que davam a entender ‘tudo estava bem’. Foi sensacional esse cuidado com a família.
Até que uma hora ela me olhou e disse: ‘O David vai nascer’. E eu pensando ‘Como assim? A parteira ainda não chegou’ — olha a minha cabeça. Naquela hora, liguei para a cuidadora do sítio e pedi que ela ficasse com a Maria Clara. O David estava nascendo. Foi o tempo dela pegar a criança no colo. Ao voltar para o boxe, segurei, literalmente, o David nas minhas mãos. A partir dali, não soltei mais.”