“Meu nome é Paula Oliver, tenho 45 anos, quatro filhas e eu despertei para a música quando eu quebrei meu pé, em 2016, cantando na missa solene no dia do santo padroeiro da cidade, Senhor Bom Jesus.
Eu trabalhava como assistente de juíza, profissão que ainda exerço, mas quando quebrei meu pé, fiquei afastada por 90 dias. Foi nesse período que caiu a ficha de que eu não estava feliz. Meu ex-marido saía para trabalhar, as crianças iam para a escola e eu comecei a pegar fotos, olhar e pensar: ‘Como eu estou infeliz. Essa não sou eu’.
Desde criança eu cantava na igreja, adorava um palco, quando era adolescente cantava nas rodinhas, mesmo com vergonha, mas eu não me reconhecia cantora. Eu me reconhecia como a servidora pública, que estudava muito e prestava concurso. Eu estava nesse nicho, mas percebia que a música me chamava. Apesar de não ter ninguém da minha família que é músico profissional, a música está em mim há muito tempo.
A música já estava em mim, desde sempre, eu é que não estava na música ainda.
No começo do mesmo ano em que eu sofri a fratura, tinha passado na prova de admissão para um curso de canto do conservatório de música da cidade e, na ocasião em que eu estava com o pé quebrado, eu tinha uma prova para fazer. Cantei duas músicas que valiam ponto e o professor que estava me acompanhando me chamou pra fazer um show com ele. Eu aceitei, fiz o show. Foi totalmente sem pretensão, mas começou aí. Eu tive um feedback muito bacana do pessoal, que me disse que eu precisava fazer alguma coisa com a minha carreira.
Eu estudei quase 10 anos para ser juíza e estava cansada. Depois desses 90 dias, fui me afastando. Parei de estudar para concurso, porque vi que aquilo não era para mim, que eu não estava feliz e me desgastando muito, tanto que engordei uns 20 quilos, no mínimo, porque não tinha tempo de cuidar de mim. Eu trabalhava, estudava e cuidava da casa e de criança. Não dava tempo para outra coisa. E, então, tudo foi acontecendo ao mesmo tempo, e fui me voltando para o que eu queria.
É muito difícil olhar para a gente quando não se gosta do que vê. Isto para mim foi muito difícil, mas foi então que começou o processo.
Mandei músicas para festivais nacionais de MPB, e para minha surpresa as musicas passaram. Fui contratada para fazer um show em Monte Verde (MG) e, foi muito marcante, pois foi o primeiro show que fiz com cachê. O maestro de uma Big Band me convidou para cantar jazz com eles. Estive solo no programa “Canta Comigo”, da TV Record, e também fiz uma prova para o grupo do mestre Marconi Araújo. Fiquei um ano indo para São Paulo, onde fazia aulas de canto e fazia show com eles.
O meu casamento já estava um pouco desgastado e quando foram acontecendo essas coisas da música, aquela mulher que estava adormecida dentro de mim, ela foi saindo, o que é uma coisa natural. Eu estava fazendo o que eu gostava e isso gerou mais desgaste.
“A gente vive dentro de uma crença, de um padrão social de que casamento é para sempre, que é uma instituição que deve ser respeitada, mas a que preço?”
Eu questionava muito isso, porque eu fiquei 24 anos casada. Claro que eu amava meu ex-marido, tanto que tivemos quatro filhas, mas eu não estava feliz, não estava dando certo. Enquanto duas pessoas tentam um caminho único de pensamento e de vida, tudo esta ótimo, mas quando começa a dividir, não tem mais como.
Fui entrando nessa questão da música e nem fazia tantos shows, mas era uma questão de projeto, dedicação e alma. Isso o incomodou de certa forma. Quando se casou comigo, eu não era cantora. Com o desgaste, não havia mais paciência.
Até que, com a pandemia, tudo ficou mais latente, para todo mundo, com o isolamento e por estar em casa. Eu já estava nesse processo de descoberta e amor próprio, tive que adaptar a minha casa para minha filha que estava voltando do exterior, as minhas menores estavam em home learning e eu tive que trabalhar em casa. E então eu parei e refleti: ‘Que exemplo de mãe que estou dando para essas meninas? Isso não está certo. Eu tenho que me amar em primeiro lugar’. Foi quando conversamos e ele resolveu mesmo sair de casa, no meio da pandemia.
“Quando você está no olho do furacão, dentro de um relacionamento abusivo e no meio de tudo, você não consegue enxergar. No dia a dia, com a correria e o automatismo, você não consegue olhar as coisas como elas realmente são. A gente acaba deixando o outro ultrapassar os nosso limites.”
Eu tive que lidar com toda essa questão emocional de todas elas estarem aqui, com a mudança de rotina e essa bagunça toda, e mais a questão das sombras internas, do medo do abandono, de ficar sozinha. Mas não foi ele quem me abandonou, eu quem tomei a decisão de me auto-abandonar, porque do jeito que estava, não estava bom. Foi realmente muito difícil.
Nesse período, como fiquei muito mergulhada em mim mesma, comecei a estudar coisas relacionadas à espiritualidade e foi isso o que me amparou, mas eu passei uns bons meses chorando todos os dias.
A partir desse mergulho para dentro de mim, surgiram inspirações de música. Comecei a ter mais contato com meus parceiros do Rio de Janeiro e decidi fazer algo. Eu não imaginava que em meio a esse turbilhão de coisas que aconteceram na minha vida pessoal pudesse nascer um filhinho assim tão maravilhoso, que é o meu álbum. Nasci novamente nessa pandemia e ele nasceu comigo. Me sinto a fênix mesmo. Sabe quando você é queimada, vira cinza e depois nasce? É exatamente isso.
“O processo é doloroso, mas a hora que você começa a seguir o teu caminho de alma, aquele que é traçado por Deus para você mesmo, é tudo muito fácil.”
A música sempre esteve em mim, só que não sabia. Precisei passar por tudo isso realmente para poder me enxergar quanto mulher, quanto ser individual. A ‘Paula mulher’ fora da ‘Paula mãe, esposa e servidora pública’. Esse processo foi o que realmente ressignificou a minha vida. Eu estou mais feliz.
Voltei a olhar pra mim, comecei a fazer atividade física, voltei a ler livros de poesia, e isso não é egoísmo, porque as meninas não me cobram presença. Na verdade, percebi que depois que entrei nessa “vibe” de estar feliz comigo mesma, tudo mudou aqui dentro, inclusive a “vibe” das meninas e da minha mãe.
A gente vive numa sociedade machista. Às vezes até a mãe da gente é machista conosco e isso é algo cultural que tem que se combater. Através das minhas músicas eu trato desses assuntos de liberdade, machismo e assédio sexual no meio artístico com luva de pelica, não com agressividade, porque eu gosto muito do bom humor e da leveza. Acho que quando você bate de frente, você cria muro, não ponte.
Se a minha música chegar em uma mulher e conseguir abrir o olho dela, fazendo ela verificar que ali no relacionamento dela não está bacana, eu já vou ter atingido meu objetivo.
O que eu diria para a Paula do passado? Eu diria obrigada, pois a Paula de hoje não seria ela se não fosse a Paula do passado, que se dedicava além para o casamento e carreira, ao ponto de não olhar pra si mesma. Eu sei que eu dei o meu máximo para tudo, embora não tivesse tempo de me ver enquanto mulher, mas eu precisei passar por todo esse aprendizado, pela experiência de ser mãe e de estar na carreira jurídica para ser o que eu sou hoje.
Conheça o álbum “Quero Voar” da cantora mineira Paula Oliver, disponível no YouTube e em outras plataformas de música: