Por que a menstruação de Bela Gil causa tanta polêmica?
Um simples comentário sobre o uso da calcinha menstrual e o mundo virou de pernas para o ar.
Mais uma vez Bela Gil está no centro de uma polêmica. No último fim de semana, no Snapchat, ela dividiu com seus seguidores que não usa mais absorventes. E ao contrário do que algumas pessoas poderiam imaginar, tampouco usa coletor menstrual. Com a intenção de usar um método mais ecológico, hoje usa uma calcinha especial com forro absorvente reutilizável – uma versão moderna dos “paninhos da vovó”.
Nada mais a cara de Bela Gil, sempre em busca de soluções naturais para a própria vida. Quem acompanha minimamente a carreira da moça, não deveria esperar nada diferente. O que choca de verdade nessa história são os comentários gerados por conta da notícia inicial. Ofensivos e agressivos, os comentaristas da internet tentaram ofender a moça por uma suposta falta de higiene.
Basta um pouco de informação para saber que os comentários não fazem sentido. Por exemplo, muitos se sentiram ultrajados por Bela se recusar a usar absorvente, porque não é adequado que ela saia por aí manchando a tudo e a todos com seu sangue menstrual – alguém discorda disso? O problema é que ela mesma esclareceu que está usando um método alternativo – a tal calcinha – e não está jorrando seu sangue menstrual em ninguém.
Além disso, a acusação de que a atitude dela seria suja não resiste a meia dúzia de dados. Primeiramente, absorventes higiênicos descartáveis tem uma série de compostos químicos que podem afetar a saúde feminina, causando desde alergias leves até Síndrome do Choque Tóxico, doença rara, porém grave, que pode resultar inclusive em morte.
Depois, estima-se que cada mulher utilize durante a vida 10 mil absorventes, que vão todos para lixões, aterros sanitários e sistema de tratamento de esgoto, gerando um óbvio impacto negativo no meio ambiente. Isso já é informação suficiente para concluir que a atitude de Bela Gil pode ser várias coisas, mas suja definitivamente não é. É limpa e saudável, embora para algumas pessoas possa parecer meio esquisita.
E parece esquisito porque para muita gente, menstruação é algo esquisito. São séculos de demonização do corpo da mulher que embasam reações tão violentas a algo tão simples e tão natural. Desde a primeira menstruação – talvez antes – ouvimos falar do fardo que é ser mulher, do horror que é a menstruação. Começamos a repetir isso como um mantra, mesmo sem saber o significado.
Minha experiência
Aos poucos, na minha vida, a menstruação passou a ser um evento de fato doloroso, cada vez mais, durante muitos anos, mas me lembro de no começo não entender muito bem porque era tão ruim menstruar. Repetia os bordões para fazer parte da turma. No meu íntimo, não via nada de errado, achava até interessante (pare para pensar: é interessante demais!)
Não concordo com tudo que Simone de Beauvoir diz, mas ela sistematizou algo bastante interessante, e que várias outras mulheres de diferentes áreas de atuação também investigaram e registraram: o apagamento das características fundamentalmente femininas – sendo a menstruação provavelmente a mais importante delas para apagar a própria mulher. Simone, no livro O Segundo Sexo, nos conta que:
“Descreveram-se, muitas vezes, os severos tabus que nas sociedades primitivas cercam a jovem, quando de sua primeira menstruação; mesmo no Egito, onde era tratada com deferências especiais, a mulher permanecia isolada durante o período das regras. […] não se devia vê-la nem tocá-la: mais ainda, ela própria não se devia tocar com a mão.”
Simone de Beauvoir
Já ouviu falar em algo parecido?
Uma compreensão mais detalhada da natureza e do ciclo feminino só aconteceu muito recentemente no século 20, com o enorme avanço das ciências e tecnologias. Em praticamente todos os registros das culturas antigas, o que encontramos é o assombro diante do fenômeno da menstruação, da gravidez e do parto, grandes eventos da vida circunscrito por ritos e tabus que, mesmo em nossa sociedade – supostamente racional –, ainda sobrevivem sob a forma de hábitos, tradições e preconceitos.
Evoluímos, mas em certos aspectos continuamos tão iguais: tudo aquilo que em nossa natureza nos caracteriza como mulheres, parece ter algo de inadequado. Tem quem ache feio amamentar em público. Fomos ensinadas a ter medo do parto normal. Utilizamos intervenções agressivas para cessar a menstruação. E, quando menstruamos, fazemos de tudo para esconder. Qual é o melhor absorvente? Ah, é aquele ultra fininho. Imagina só usar algo que marque na calça. Já pensou que constrangimento alguém saber que você está (fale baixinho) menstruada? Aliás, grande era o terror das adolescentes, com seus vulcânicos ciclos irregulares que poderiam a qualquer momento irromper na escola.
É por isso que até hoje, mesmo tendo uma postura saudável com relação ao corpo e ao mundo, Bela Gil provoca espanto e até aversão. Provoca também, felizmente, curiosidade e questionamento – e espero que através dele outras mulheres consigam, em algum momento, descobrir algo extremamente maravilhoso que descobri há algum tempo, depois de anos e anos sofrendo com “fardo” da menstruação. Quando aceitamos, entendemos e amamos nosso corpo e nossa natureza, eles retribuem e o ciclo menstrual deixa de ser um fardo, uma dor, para ser uma jornada de amor e autoconhecimento.
Juliana Passos é doutora em Letras, professora universitária, escorpiana e fã de Novos Baianos.