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Precisamos falar sobre suicídio de jovens: taxa cresce no Brasil

A taxa de suicídio entre os jovens brasileiros está crescendo mais do que a média nacional. O assunto ainda é tabu e exige a atenção de pais e responsáveis

Por Bruna Nicolielo
Atualizado em 20 jul 2017, 15h39 - Publicado em 20 abr 2017, 14h55

Na série 13 Reasons Why, que estreou no dia 31 de março na Netflix, o adolescente Clay Jensen (Dylan Minnette) descobre fitas cassete gravadas pela paquera Hannah Baker (Katherine Langford), que se matara duas semanas antes. Nos áudios, a menina explica as 13 razões pelas quais decidiu dar fim à própria vida. Será que o garoto estaria na lista? A narrativa se desenrola com base nessa dúvida, tratando de um tema delicado e complexo: o suicídio de jovens.

Em 2013, uma adolescente gaúcha de 16 anos se matou depois que fotos íntimas dela foram divulgadas na internet. Após alguns meses, outra garota, de 17 anos, se suicidou no Piauí pelo mesmo motivo. Muitos outros casos acabam abafados, mas as estatísticas confirmam o crescimento.

Entre 1980 e 2012, as taxas de suicídio cresceram 62,5% na população em geral. Na faixa etária dos 15 aos 29 anos, a média aumenta em ritmo mais rápido do que em outros segmentos. São 5,6 mortes a cada 100 mil jovens (20% acima da média nacional). Os dados são da pesquisa Violência Letal contra as Crianças e Adolescentes do Brasil e do Mapa da Violência: os Jovens do Brasil, ambos coordenados pelo sociólogo Julio Jacopo Waiselfisz, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), organismo de cooperação internacional para pesquisa.

O aumento do número de mortes de jovens está na contramão do observado em países da Europa ocidental, Estados Unidos e Austrália, onde os índices vêm caindo. “Os suicídios vêm crescendo à sombra dos dois gigantes de nossa mortalidade violenta: os acidentes de trânsito e os homicídios. É preciso jogar luz sobre esses dados”, defende Waiselfisz.

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O psiquiatra Neury José Botega, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concorda. “Como o suicídio é um assunto tabu, podemos ficar com a impressão de que o problema não existe em grande magnitude. Mas isso não é verdade. Diariamente, segundo dados oficiais, 32 pessoas põem fim à vida. E podemos supor que o número real de suicídios seja, pelo menos, 20% maior do que isso”, diz ele.

Outro estudo, parte de um extenso programa de prevenção ao suicídio da Organização Mundial da Saúde (OMS) em várias partes do mundo, ajuda a compreender o fenômeno. O projeto envolveu um inquérito em nove cidades dos cinco continentes – no Brasil, foi em Campinas (SP), com 515 pessoas. A pesquisa identificou que, ao longo da vida, 17% das pessoas haviam pensado seriamente em suícidio, 5% tinham chegado a elaborar um plano para tanto e 3% efetivamente haviam tentado se matar. De três pessoas que tentaram o suicídio, apenas uma foi atendida em um pronto-socorro.

“As tentativas são mais comuns entre os mais jovens, que tendem a usar métodos de menor letalidade. Geralmente estão enfrentando situações de conflito interpessoal e têm menor estabilidade emocional e mais impulsividade”, explica Botega, coordenador do projeto no Brasil.

MOTIVOS NEM SEMPRE APARENTES

Quem tem adolescente em casa sabe: eles são os mais inclinados ao imediatismo e à impulsividade. Como ainda não atingiram a plena maturidade emocional, têm mais dificuldade para lidar com situações estressantes e frustrações – o que torna os pensamentos suicidas mais frequentes nessa população. Na maioria das vezes, porém, eles são passageiros, não indicam psicopatologia ou necessidade de intervenção.

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No entanto, pensamentos dessa natureza mais intensos e prolongados, associados a um quadro de crise aguda, podem aumentar o risco de um jovem ir às vias de fato. Entre as principais causas de crises que poderiam desencadear o suicídio entre jovens estão baixa autoestima, histórico de abusos (incluindo aí o bullying), problemas para lidar com a própria sexualidade e reflexos da superproteção.

Diferenciar reações consideradas normais de sinais de alerta de que algo grave está por acontecer pode ser extremamente difícil. “Quem pensa em suicídio está passando por um sofrimento psicológico e não vê como sair disso. Mas não significa que queira morrer. O sentimento é ambivalente: a pessoa quer se livrar da dor, mas quer viver. Por dentro, vira uma panela de pressão. Se ela puder falar e ser ouvida, passa a se entender melhor”, diz Robert Gellert Paris, presidente do Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece apoio 24 horas pelo telefone 141 e pelo cvv.org.br.

Leia mais: “Nunca tivemos uma geração tão triste”

Hoje, mais de 70% dos atendidos pelo chat do site têm menos de 30 anos. Para Paris, crises indicam que o jovem precisa de ajuda. “O suicídio é um processo, uma tentativa de se comunicar quando todas as outras já deram errado. Antes de efetivamente tentá-lo, a pessoa se isola, dá sinais de que algo não está bem”, explica ele.

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Segundo a cartilha Suicídio, Informando para Viver, da Associação Brasileira de Psiquiatria, apenas 3% dos casos não podem ser relacionados a alguma doença psiquiátrica. Para todos os outros, há tratamento – 36% dos suicidas apresentam distúrbios de humor e 22% transtornos por uso de substâncias psicoativas. Por isso, é importante ficar atenta a mudanças no comportamento dos filhos (leia mais no quadro da página ao lado).

FORMAS DE PREVENÇÃO

De acordo com a OMS, é possível prevenir 90% dos casos se houver condições de oferecer ajuda. E, diferentemente do que apregoa o senso comum, discutir o problema é uma boa estratégia para combatê-lo.

O medo do chamado efeito Werther, referência ao livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, publicado em 1774, costuma empurrar o assunto para debaixo do tapete. No enredo, o personagem dá fim à própria vida após uma desilusão. A novela teria originado um surto de suicídios de jovens em diversos locais da Europa.

Mas a ideia de que falar sobre pessoas que se mataram pode induzir a fazer o mesmo não tem fundamento, segundo Botega: “Questionar, de modo sensato e franco, ideias de suicídio fortalece o vínculo com uma pessoa, que se sente acolhida e respeitada por alguém que se interessa por seu sofrimento”.

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Assim, os pais podem (e devem!) falar sobre o assunto. Se não aparecer espontaneamente, ele pode ser introduzido de modo a deixar claro que certas coisas acontecem e que devemos conversar sobre elas. É possível dizer frases como: “Algumas vezes, quando nos sentimos mal, pensamos que seria melhor não ter nascido ou que seria preferível morrer. Você já teve pensamentos desse tipo?”. É fundamental ouvir com atenção e respeito, sem julgamento ou censura e sem preleções morais ou religiosas.

O importante é reafirmar a preocupação e o desejo de conversar e ajudar, mesmo que isso implique tocar em assuntos delicados. “O adolescente deve ser acolhido, receber proteção e apoio, e não castigo”, explica Paris. “É preciso respeitar a dor do outro. Muitas vezes, podemos achar a motivação banal ou desimportante, mas cada um sente e se angustia com as coisas de forma particular”, continua.

Mesmo os casos que indicam baixa letalidade, como cortes superficiais na pele, podem sugerir a ocorrência de tentativas futuras. “Não se deve banalizar ou julgar a tentativa como recurso para chamar a atenção. Na vida conturbada de um adolescente, o ato precisa ser tomado como um marco a partir do qual se iniciam ações destinadas à proteção e à qualidade de sua vida, incluídas as de saúde mental”, argumenta Botega. Após uma conversa, os pais devem avaliar se é o caso de encaminhar o filho a um profissional.

Leia mais: Desafio Baleia Azul: jogo de suicídio acende alerta para os pais

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Para que essa aproximação familiar aconteça, alguns preconceitos devem ser desfeitos. Além do efeito Werther, é um equívoco pensar que ameaças são métodos de manipulação. Pense mais como um pedido de socorro. “Muitas pessoas que se matam dão previamente sinais verbais ou não verbais de sua intenção para amigos, familiares ou médicos. Ainda que em alguns casos possa haver um componente manipulativo, não se pode deixar de considerar a existência do risco de suicídio”, explica o psiquiatra Botega.

Outro lugar-comum errôneo é o chavão “Quem quer se matar se mata mesmo”. Lembre-se da ambivalência que caracteriza a complexidade da atitude: aqueles que pensam em suicídio frequentemente estão oscilantes entre viver ou morrer. Outro clichê é de que as tendências suicidas necessariamente vão acompanhar as pessoas por toda a vida, como se elas fossem “problemáticas”. O desejo ou a tentativa podem retornar, mas, talvez, passem. “Pessoas que já tentaram o suicídio podem viver, e bem, uma longa vida”, finaliza Botega.

ATENÇÃO AOS SINAIS

Saiba como identificar características de um jovem com tendências suicidas

  • Alterações significativas na personalidade ou nos hábitos;
  • comportamento ansioso, agitado ou deprimido;
  • queda no rendimento escolar;
  • afastamento da família e de amigos;
  • perda de interesse por atividades de que gostava;
  • descuido com a aparência;
  • perda ou ganho repentinos de peso;
  • mudança no padrão usual de sono;
  • comentários autodepreciativos recorrentes ou negativos e desesperançosos em relação ao futuro;
  • disforia (combinação de tristeza, irritabilidade e acessos de raiva);
  • comentários sobre morte, sobre pessoas que morreram e interesse pelo assunto;
  • doação de pertences que valorizava;
  • expressão clara ou velada de querer morrer ou de pôr fim à vida.

Nossa redatora-chefe Bel Moherdaui conversou com a psiquiatra Ivete Gattas sobre o assunto, veja:

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