Era um fim de tarde tranquilo quando Taynah Miranda ia para casa, feliz por ser sexta-feira. Sentada no ônibus, ela se aproximava da Avenida Paulista quando notou que algo no banco estava lhe cutucando.
“Eu senti o cara apalpando a minha bunda, mas eu estava sentada no banco e não conseguia processar como aquilo era possível. Estava ouvindo música e jogando no celular, mas parei para prestar atenção”. Foi quando ela virou-se rapidamente e viu que a mão do passageiro de trás estava lhe apalpando através do vãozinho abaixo do encosto do banco.
Na hora em que compreendeu o que se passava, Taynah ficou indignada e, depois de gritar, sua vontade era de sair dali o mais rápido possível. Foi a sororidade das outras passageiras que fez com que ela tivesse forças para denunciar o agressor à polícia. Enquanto isso, o homem tentava se explicar dizendo que estava apenas rezando o terço.
Taynah conta que o apoio a ela foi geral por parte das mulheres, mas o mesmo não pode se dizer dos homens. Ao passo que uma desconhecida se ofereceu para acompanhá-la à delegacia, os passageiros do sexo masculino ficaram indiferentes e um chegou a dizer “agora não pode nem mais relar em mulher que já é assédio”.
“Foi muito importante as mulheres terem tomado partido. Porque na hora eu fiquei muito nervosa, eu tremia muito e chorava muito. Gritei bastante com o cara, mas estava muito perplexa para tomar alguma atitude. Fiquei um tempo parada, meio em choque, comecei a guardar as minhas coisas na mochila e levantei para descer do ônibus. Aí foram as mulheres que disseram ‘não desce, manda parar o ônibus e chamar a polícia'”. Nessa hora, Taynah realmente acordou para a situação e pensou que, de fato, o homem não deveria sair impune.
Enquanto o motorista do ônibus buscava um lugar para estacionar, Taynah ligou para o 190. Casualmente, uma viatura estava bem próxima ao veículo e o policial responsável logo prestou atendimento, encaminhando vítima e agressor à delegacia – além da moça que se prontificou a acompanhar Taynah.
Segundo ela, de início o homem simplesmente repetia que nada havia acontecido e, mostrando o terço, dizia que estava apenas rezando. “Ele tentou falar com o policial, disse que tinha um compromisso, achando que ia se livrar. Depois que ele viu que não ia arrumar nada com o PM, aí começou a me pedir desculpa e a dizer que foi sem querer, que ele não teve a intenção. Aí na delegacia ele chamou uma mulher da igreja, para falar o quanto ele era católico e devoto”.
Ao falar com a PM, Tayhan conta que em nenhum momento duvidaram de sua palavra ou a trataram mal. Outro ponto importante é que a polícia a manteve afastada do agressor o tempo todo e eles inclusive foram conduzidos à delegacia em viaturas diferentes.
No entanto, ela diz que sentiu falta de um acolhimento por parte dos policiais e que, na delegacia, todos os profissionais eram homens. “A policial que me atendeu pelo 190 [nesse caso, uma mulher] foi muito mais sensível e ficou tentando me acalmar. Ela foi mais humana”.
Além de Taynah, ninguém mais viu o assédio acontecendo, o que fez com que o homem não pudesse ser pego em flagrante. Sendo assim, ele foi liberado logo após depor, mas o delegado responsável pelo B.O. atentou para o fato de que a denúncia não foi em vão. “Ele falou que não tem como a investigação ir para frente, mas o homem está fichado. Isso quer dizer que se fizer isso de novo e alguém acusar ele, isso vai aparecer quando a polícia puxar o CPF”.
Para além da importância da denúncia, ela volta a frisar o quão decisivo foi o apoio que recebeu das mulheres presentes no ônibus. Feminista, Taynah diz que sempre imaginava que iria reagir energicamente se um caso assim acontecesse com ela. “Mas na hora a vítima não consegue raciocinar, sabe? Por mais que eu tenha xingado muito ele, fiquei sem reação, atordoada. Você pensa ‘não acredito que isso está acontecendo’. É difícil de assimilar que alguém é capaz de uma coisa dessas, por mais que você saiba de outros casos”.
Ao final, ela conta que chamou a sua atenção o fato de que nenhuma mulher duvidou do que havia acontecido. Isso é ótimo sob a ótica da sororidade, mas também explicita o quanto estamos habituadas a situações de assédio. “A mulher que frequenta transporte público sabe que aquilo é verdade e que nenhuma de nós vai fazer um escândalo sem nada ter acontecido. Várias vezes a gente é encoxada e pensa ‘puts, será que é isso mesmo ou é só o ônibus que está cheio?’. Então, para que uma mulher saia gritando é porque ela tem certeza do que está se passando”.