Sustentabilidade engaja, rende views e vira like. Não à toa, as empresas competem para ver qual é mais verde. Porém, em um mundo onde, às vezes, é mais vantajoso parecer do que de fato ser, é conveniente separar o joio do trigo.
Muitas marcas têm se apropriado do discurso enquanto mantêm escondidos comportamentos degradantes ao planeta. Elas não são responsáveis, mas estão tentando te convencer que são. Tudo isso através de uma boa dose de greenwashing, a propaganda ambiental enganosa.
Segundo estudo realizado pelo Mercado Livre, entre 2020 e 2021, houve uma alta de 112% do número de compradores online de produtos sustentáveis no Brasil, indicando uma preocupação maior dos consumidores com o meio ambiente.
Nesse cenário, algumas companhias promovem supostos atributos ecológicos de seus produtos ou projetos sem que eles correspondam à realidade, segundo Érico Pagotto, doutor em sustentabilidade pela USP que estuda o tema há mais de 10 anos. Para tanto, fazem uso de informações ambíguas, selos com critérios moldados de acordo com as necessidades de seus criadores e gestores, certificados sem transparência e muito marketing.
“As propagandas geram uma espécie de engajamento emocional no cliente. Com isso, as organizações acabam tendo algum tipo de vantagem, seja comercial, porque é um produto verde, então é vendido com mais facilidade e por um preço maior; seja competitiva, porque acumula um capital de boa reputação”, pontua o pesquisador. Assim, o greenwashing resulta em uma falsa aparência sustentável, induzindo o comprador ao erro.
A exemplo da prática, marcas de fast fashion criam coleções-cápsula sustentáveis, enquanto permanecem com um modelo de negócio de superprodução e uso de poluentes em outras linhas. Ou usam de um elemento considerado sustentável que foi usado em uma das dezenas de etapas da produção para fazer disso notícia. E isso não acontece só na moda: indústrias de automóveis, construção, eletrônicos ou limpeza replicam o comportamento.
É também comum encontrar as que tenham metas de redução de gases de efeito estufa (GEE) consideravelmente menores do que o indicado pelos cientistas — diminuição em 43% até 2030. Há outras focadas nos objetivos de longo prazo, o que é problemático porque a realidade exige ações no presente. Ou aquelas que usam termos embelezadores de atitudes poluentes.
Algumas estão compromissadas com o ESG (governança ambiental, social e corporativa), “que conduz diretrizes para tornar os negócios sustentáveis, através de métricas, selos e certificações que são utilizadas para comprovar que empresas estão aplicando os princípios”, segundo Paula Cardoso, CEO da Leal Sustentabilidade. Por outro lado, fazem lobby para que pautas ambientais sejam enfraquecidas no ponto de vista legal.
“Alguns setores econômicos propagandeiam a adesão à agenda ESG, mas no Congresso Nacional apoiam retrocessos na defesa do meio ambiente. E o fazem por meio de associações empresariais, conseguindo se esconder em conglomerados para pressionar a aprovação de leis antiambientais”, comenta o professor em direito ambiental Maurício Guetta. Porém, os investidores internacionais “estão tirando recursos de países que desrespeitam a agenda ambiental e climática, impactando as companhias e quem trabalha nelas”, acrescenta.
Existe uma legislação que proíba o greenwashing? Não. O que mais se aproxima de restrição ou de balizamento ético e legal é o código de defesa do consumidor. No artigo 67, ele especifica que todo tipo de publicidade enganosa é crime. Uma proibição, aliás, muito vaga. “Algumas empresas, por exemplo, podem alegar que seus produtos são naturais, porque tudo é natural, até radioatividade”, diz Érico Pagotto. No entanto, criar leis específicas para o combate desse problema não é das tarefas mais fáceis: além do greenwashing ser de interesse do setor privado, ele cria uma falsa sensação de avanço social, negligenciando medidas sistêmicas e realmente eficazes.
É possível denunciar propagandas enganosas ao Conar, organização que regula a publicidade no Brasil por meio de códigos de conduta e princípios éticos. Entretanto, ele vem sendo criticado por especialistas. “As decisões não são medidas eficientes, como sanção ou retirada da propaganda, mas, sim, recomendações, como acrescentar alguma informação no site”, explica Érico. Ao ser contatado por esta reportagem, o órgão preferiu não se manifestar.
Com tal dificuldade, alguns sugerem a chamada educação para sustentabilidade e consumo, que reforça o protagonismo do indivíduo no meio social. “É essencial que as pessoas entendam a capacidade do consumo e descarte, e como ela afeta o planeta. Quando se trata de impacto, é o nosso futuro que está em jogo”, diz Paula Cardoso.
Contudo, isso não será o suficiente, “pois transfere uma responsabilidade técnica para o consumidor, que não consegue acompanhar os diversos processos que um produto passa até chegar em suas mãos”, aponta Érico.
Ainda que as propagandas fossem verdadeiras e que os processos fossem, de fato, sustentáveis, se a quantidade consumida não mudar, o planeta, infelizmente, permanecerá sobrecarregado. “A ecoeficiência, melhoria dos processos produtivos, não consegue reverter o estado de degradação sozinha, por uma questão simples: causa e consequência”, lembra Érico.
Ao inserir mais matéria no ambiente ou não dar tempo dele transformar um produto biodegradável, os danos continuam a se perpetuar. “É insustentável a produção infinita em um planeta com recursos finitos. Estamos em uma encruzilhada civilizatória, à beira do apocalipse”, reflete ele. Portanto, o que precisamos agora é restaurar o que foi destruído e reduzir o consumo, e não de mais propagandas que confundam as pessoas.